quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Engajamento na literatura Brasileira*

 Texto reproduzido da Revista de setembro de 2009 do Snipro-rio

Texto escrito por Moacyr Scliar

Os escritores, poetas e artistas em geral podem ser divididos em dosis grupos. Existem aqueles que fazem a “arte pela arte” que não admitem qualquer compromisso que não seja o rigor estético de seu trabalho. E existem aqueles que se sentem comprometidos com o mundo, com o país em que vivem, com a situação social e que querem dar sua contribuição para o projeto de mudança pelo qual tantas pessoas anseiam e que, ainda recentemente, levou Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos.

Na literatura brasileira, tivemos representamentes de ambos os tipos de pensamentos.Nas linhas que se seguem, vamos ver alguns exemplos famosos de escritores e potas considerados engajados.

O primeiro deles é ninguém menos que o famoso Gregório de Matos Guerra (1636-1696). Nascido numa família afluente (isto, aliás, não era excepcional entre os escritores; afinal, só uma pequena minoria de ricos podia proporcionar aos filhos acesso à educação),Gregório estudou no colégio dos Jesuítas, na Bahia e graduou-se na Universidade de Coimbra, em Portugal. Naquele país teve início sua carreira jurídica; foi nomeado juiz de fora de Alcácer do Sal, e depois representou a Bahia nas cortes de Lisboa. Tomou as chamadas “ordens menores”, o que lhe permitia exercer cargos na administrração eclesiástica da Bahia.

Começaram aí suas brigas: Gregório não queria usar a batina, o que gerou conflitos com as autoridades religiosas. A partir daí, ele se transformará no “Boca do Inferno”, apelido pelo qual veio a ser conhecido. Em seus poemas agredia a “canalha infernal” que abrangia praticamente todas as classes sosciais da Bahia. Era uma poesia satírica, não raro pornográfica, que contrastava com outros poemas, líricos e mesmo místicos. Acabou denunciado ao tribunal da Inquisição num processo que, contudo, não teve seguimento. Chegou a ser deportado para Angola, retornando depois. O poema abaixo é um exemplo de sua corrosiva verve:

“A cada conto um grande conselheiro, que nos quer governar cabana e vinha, não sabem governar nem cozinha e podem governar o mundo inteiro./Em cada portaum frequentado olheiro que a vida do vizinho e da vizinha pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha, para levar à Praça, e ao Terreiro./Muitos mulatos desavergonhados trazidos pelos pés os homens nobres, posta nas palmas toda a picardia. Estupendas usuras nos mercados, todos, os que não furtam, muito pobres, e eis aqui a cidade da Bahia.”

Por outro lado, José de Alencar, nascido em Mecejana, Ceará, em 1829, teve menos conflitos – e mais êxito. Filho de um senador do Império, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro; bacharelou-se em Letras no Colégio Pedro II, e em Direito, curso iniciado nas faculdades de São Paulo e terminado na faculdade de Olinda. Foi professor, orador, deputado em várias legislaturas e Ministro da Justiça em 1868, mas dedicou-se mesmo à literatura e ao jornalismo.

Patrono da cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras, é considerado o maior espoente do romantismo brasileiro. Sua obera foi muito importante na busca de uma identidade nacional, o nacionalismo sendo um característico importante dos autores românticos. Seus personagens incluem desde representantes da burguesia carioca como sertanejos, gaúchos e, sobretudo, índios.

Até então, o indígena tinha sido visto pelos conquistadores do território brasileiro como um incômodo detalhe da paisagem, um estorvo que precisava ser eliminado – e o era: o genocídio indígena no Brasil é um dos maiores da história. Alencar seguia as ideias de Jean-Jacques Rousseau, um dos grandes ideólogos da Revolução Francesa, para quem o ser humano era essencialmente bom; corrompia-o a sociedade. Nasceu daí a imagem do “bom selvagem”, da qual Peri, de O Guarani, bravo, guerreiro, viril, é o exemplo maior.

Não só os índios eram perseguidos e exterminados no Brasil; os negros também. Em defesa destes, levantou-se a figura estraordinária que foi o baiano Castro Alves (1847-1871). Também de uma família de posse em seu estado, Castro Alves estudou Direito em Recife. Sua curta vida (morreu cedo, de tuberculose, a “peste branca” dos românticos) foi tumultuada, marcada pelo rumoroso caso com a atriz Eugênia Câmara e pela militância: ainda em recife, fundou com Rui Barbosa e outros amigos uma sociedade abolicionista. De sua luta contra a escravidão dá testemunho seu famoso Navio Negreiro.

Na transição do século XIX para o XX, um outro autor chamará atenção pela coragem: Lima Barreto (1881 – 1922). Como seu contemporâneo Machado de Assis, Lima Barreto era mulato; como ele, foi funcionário público. Mas existem grandes diferenças entre os dois. Ao contrário de Machado, Lima teve uma vida atormentada, marcada pelo alcoolismo e pela doença mental; acabou falecendo muito cedo, não sem deixar uma obra que até hoje impressiona pela crítica devastadora e que já aparecia em seu primeiro romance, Recordações do Escrivão Isaíaas Caminha.

Narrativa de fundo autobiográfico, é uma feroz crítica à sociedade brasileira, para ele hipócrita e minada pelo preconceito. Triste fim de Policarpo Quaresma, públicado primeiro em capítulos em jornal, é igualmente satírica. Além disso, Lima Barreto usava uma linguagem coloquial, descuidada às vezes, o que não melhorava a sua relação com os círculos literários. Por último, simpatizava com o anarquismo e com o socialismo e até começou uma campanha contra aintrodução do futebol no Brasil, por ele considerado coisa do colonialismo inglês.

As idéias políticas de Lima Barreto eram confusas , mas já no começo do século XX as ideologias de esquerda, socialismo e comunismo (e sobretudo este último), adquirem caráter bem definido, sobretudo com a Revolução Russa de 1917, que influenciou muitos autores em todo o mundo.

No Brasil, o exemplo clássico é Jorge Amado (1912-2001). Nascido na Bahia, estudou Direito no Rio de Janeiro, então Capital da República, onde travou seus primeiros contatos com o movimento comunista. Militante, fez uma longa carreira política; em 1945 foi eleito deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro. Perseguido, exilou-se na Argentina e no Uruguai, em Paris, em Praga. Seus primeiros livros (O país do carnaval, Cacau, Suor, Jubiabá, Mar morto, Capitães da areia, ABC de Castro Alves, O cavaleiro da esperança, Terras do sem-fim, Seara vermelha) tinham um conteúdo marcadamente político. Mas Jorge Amado desiludiu-se com o comunismo e os livros subsequentes, como Gabriela, cravo e canela, Dona Flor e seus dois maridos, Teresa Batista cansada de guerra e Tieta do Agreste tendem mais para o lírico, para o fantasioso, para o humor.

Comunista como Jorge Amado, Graciliano Ramos (1892-1953) foi também perseguido e chegou a passar longo tempo na prisão, esperiência que descreveu em Memórias do Cárcere. Sua obra ficcional, como se constata em S. Bernardo, Angústia e Vidas Secas mostra duras condições de vida dos nordestinos.

E, por fim, chegamos à minha própria geração: um grupo de escritores e poetas marcados por um acontecimento extremamente traúmático, o golpe de 1964. Foi traumático, inclusive, porque representou um anticlímax. O começo dos anos 60 havia sido marcado por movimentos reivindicatórios que lutavam pelas chamadas reformas de base, a reforma agrária, principalmente; causas que uniam os numerosos movimentos de esquerda por toda América Latina.

A consequência disto foram as ditaduras que então surgiram e que se caracterizavam pela violenta repressão. A luta pela liberdade de expressão passou a ser a bandeira de escritores e intelctuais. Na ficção, surgiu o chamado realismo mágico ou realismo fantástico- cujo expoente maior era Gabriel García Márquez – um estilo que consistia em descrever coisas absurdas como se tivessem acontecido na realidade (e estavam acontecendo. Com a redemocratização, o realismo mágico tornou-se desnecessário. Mas enquanto houver injustiça e desigualdade, alguma forma de engajamento, de comprometimento, será necessária. Não é uma necessidade literária. É uma necessidade humana.

* Conferência proferida no seminário do Sinpro-rio “Os trabalhadores na Literatura Brasileira” em 7/11/08

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