Uma grande inquietação que tenho sobre a democracia no brasil é a questão do federalismo. Ontem estava lendo notícias e no Blog do Noblat vi um artigo que investia contra o federalismo, louvando a concentração de receitas iniciada pelo governo FHC como sendo indispensável ao ajuste fiscal. Recordei-me, então, da declaração da cúpula de governadores do PSDB que afirmou que não faria oposição ao governo federal.
De fato, basta um pequeno olhar para a história de nosso país para vermos sua tradição de concentração. A federação brasileira foi construída num processo de desconcentração formal em que as províncias foram convertidas em entes autônomos sem direito a ajuda do governo Federal. Este modelo tinha como objetivo fortalecer as oligarquias locais e garantir o modelo liberal não intervencionista do Estado.
Posteriormente, durante o período varguista, a Constituição de 34, inspirada em Weimar, adotou o modelo cooperativo que, contudo, não resistiu a política de interventores politicamente comprometidos com o presidente adotada em 1937. Somente no período 46-64 é que a questão da diminuição das desigualdades regionais veio a aflorar e ter alguma referência, foi neste período também que criou-se a SUDENE.
Por seu turno, o governo militar adotou a tese do “federalismo de integração” em que a União se responsabilizava por promover o desenvolvimento nacional e a segurança nacional concentrando em si as atribuições. Na prática o que viu-se foi a dissolução do sistema federal.
O sistema federal é a forma de Estado adequada ao Brasil e isto foi reconhecido na Constituição de 1988, inclusive, como cláusula pétrea. Nesta foi adotado o sistema cooperativo e houve a repartição dos tributos. Contudo, os anos neoliberais operaram o desmonte do Estado deixando de investir em parceria com os estados e realizando, sobre o pretexto do combate ao déficit público e à inflação, o ajuste unilateral.
Neste paradigma foram conferidas atribuições aos estados sem que houvesse compensação, notadamente na saúde, educação, saneamento e infraestrutura. A descentralização ocasionada pelos anos FHC teve como paradigma ceder ao mercado competências públicas como no caso das estradas.
Por óbvio, houve aumento de gastos dos estados e, com eles, surgiu a insolvência. Estava iniciado o processo de tutela política da União, esta negociou as dívidas dos estados e amealhou para si o direito de dispor sobre o endividamento público. Inaugurou políticas sociais insípidas mantendo os estados reféns. Hoje, por exemplo, a dívida dos estados giram em torno de 30 bilhões de reais.
Como se pode ver o problema do federalismo sobrepõe-se ao problema da manutenção do Estado Social, da redução das desigualdades regionais, do reconhecimento ao direito de condições dignas de vida, do multiculturalismo e, principalmente, da democracia. Isto decorre de sua tendência a descentralizar o poder não só administrativamente como também políticamente.
Neste sentido, podemos dizer que o governo Lula com a adoção do modelo nacional desenvolvimentista, por meio do PAC, iniciou um processo de reabilitação do federalismo brasileiro por meio do planejamento e das ações coordenadas por meio de grandes programas setoriais. Por outras palavras o governo Lula adotou a tática da repartição de receitas.
Entretanto, ainda fica evidente a crise do federalismo brasileiro quando temos em vista panacéias como a da redistribuição dos royalties. Por óbvio ninguém, de esquerda, é contrário ao fortalecimento dos estados e municípios mas este não pode ser realizado as custas dos riscos negociais contraídos por outros.
Em todo caso, a questão central é que o poder de tributar é a forma mais evidente do poder do Estado e o equilíbrio do pacto federativo só poderá ocorrer se houver condições para que os governadores, mesmo os do PSDB, possam de fato ter uma postura altiva face o governo federal. Realidade que só pode se concretizar se forem capazes de realizar suas próprias políticas regionais e tiverem condições de negociar.
A concentração de tributos no governo federal é deletéria ao investimento e à politização da sociedade, que fica longe do centro de poder, bem como à realidade multicultural que exige que em cada região ou local se adote uma forma diferente de atuar respeitando a cultura do povo que ali vive.
Por estas razões é que o governo Dilma tem obrigação de avançar, não só no campo do planejamento como no campo da reforma. Esta deverá privilegiar o desenvolvimento regional autônomo, evitando a ditadura federal, por meio de medidas que garantam isonomia na cobrança de tributos federais entre os estados e mecanismos que assegurem a apropriação direta de parcela dos tributos destinadas aos outros entes. Ademais, as soluções devem ser negociadas e os ajustes fiscais, se necessários, devem ser estabelecidos com base nas capacidades de cada ente.
Por fim, quero ressaltar que o Presidente Lula reconstruiu as bases do federalismo no Brasil por meio da repartição de receitas deixando a tarefa e a oportunidade da Presidente Dilma realizar a continuidade deste processo por meio da restruturação do sistema tributário brasileiro. Esta medida não é de somenos e tampouco o que está em jogo é uma fatia do bolo da arrecadação, está em jogo a própria sobrevivência do Estado Social e sua solvência.
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