Texto reproduzido do sítio esquerda.net
Um levantamento sucinto de alguns pontos essenciais da situação política e social que se vive num conjunto de países árabes, traduzido do jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung por João Alexandrino Fernandes.
Artigo | 30 Janeiro, 2011 - 01:27
Manifestações no Egito. Foto de Sarah Carr, FlickR
A tradução que se segue refere-se a parte de um trabalho realizado pelo publicado no dia 29 de Janeiro, dedicado à actual situação no mundo árabe, desencadeada pela revolta na Tunísia e agora também no Egipto. O FAZ publica, no seu dossier sobre o tema, um conjunto de pequenos textos de síntese, destinados a dar ao leitor uma informação sucinta sobre alguns pontos essenciais da situação política e social que se vive num conjunto de países árabes, que, e embora não sendo os grandes protagonistas habituais da política mundial, no seu conjunto ocupam uma área geográfica e cultural de grande extensão. Em sentido oeste-leste, o FAZ refere-se Marrocos, já com problemas na costa ocidental de África, e, a partir de Gibraltar, refere-se, na costa africana do Mediterrâneo, à Argélia, à Tunísia e ao Egipto. No sul do Egipto aborda a situação do Sudão, e, seguindo a costa leste do Mediterrâneo no sentido sul-norte, as situações da Jordânia, do Líbano e da Síria, para terminar mais para leste ainda, no extremo sul da Península Arábica, com o Omã e o Iémen.
Evidentemente que os breves textos do FAZ não esgotam, de forma alguma, o conhecimento da situação dos respectivos países, nem sequer o pretendem. Mas podem ser úteis como indicação ao leitor interessado. Nesse sentido, aqui os deixamos:
Marrocos
Em Marrocos procuram muitos jovens um emprego em vão, jornalistas são condenados a penas de prisão, a corrupção é endémica. No entanto, e diferentemente do Saara Ocidental ocupado por Marrocos, onde na última vez no final de 2010, ocorreram mesmo protestos sangrentos, a situação no país é antes uma situação tranquila, até agora, se bem que depois do início da revolta na Tunísia também aqui tenham ocorrido auto-imolações pelo fogo.
Nos termos da Constituição, o Rei Mohammed VI nomeia e demite os ministros e o primeiro-ministro, podendo a qualquer altura dissolver o Parlamento. No entanto, comparativamente, existe aqui uma maior liberdade de expressão. Em 2004 a situação das mulheres no casamento foi juridicamente equiparada à dos homens.
Argélia
Desde há anos que ocorrem “Revoltas de fome” espalhadas pela Argélia. Assim, quando no início do ano o açúcar e o óleo alimentar encareceram repentinamente, começou no norte um levantamento que rapidamente se estendeu a toda a Argélia. Pelo menos cinco pessoas foram mortas, até que o presidente Bouteflika recuou na subida dos preços. Os militares, que estão ligados à empresa estadual de petróleo e gás Sonatrach, estão-lhe submetidos. No entanto segundo observadores, a Argélia tem potencial para seguir o exemplo da Tunísia. Pobreza, inflação e corrupção amarguram a juventude. Recentemente quatro argelinos incendiaram-se a si mesmos como forma de protesto.
Tunísia
A Tunísia era tida como um país estável – mesmo ainda quando já tinham irrompido as agitações que agora alastraram a quase todo o mundo árabe. Passaram três semanas até que os protestos, que tinham começado a meio de Dezembro na cidade de Sidi Bouzid depois da auto-imolação de um jovem, atingissem a capital Tunes.
Cinco dias mais tarde, o presidente Ben Ali teve de fugir do país – também porque o exército recusou segui-lo na repressão brutal dos protestos. As manifestações continuam, dado que existem representantes do regime que ainda se encontram a participar no poder.
Egipto
As tensões sociais no Egipto irromperam sempre e repetidamente nos últimos anos de forma violenta, frequentemente na forma de disputas entre Muçulmanos e Cristãos coptas.
A oposição contra o regime do presidente Hosni Mubarak, que governa há 30 anos, é duramente reprimida. A maior força de oposição são as irmandades muçulmanas islamitas, proibidas. No entanto, o movimento de protesto que agora abala o país formou-se fora das organizações tradicionais, sobretudo na Internet.
Sudão
O Governo de Cartum não se encontra apenas em apuros por causa da separação do sul, rico em petróleo. Nas eleições parlamentares nos inícios de 2010 ficou claro que também a insatisfação cresce no norte do Sudão, sobretudo entre os jovens.
As eleições não colocaram o presidente Baschir em perigo, tanto mais que seguidamente a oposição se incompatibilizou em discussões sobre a pergunta, como deveria reagir à sua manipulação. Mas que Baschir está nervoso, tal ficou claro depois da revolução na Tunísia: quando o líder islâmico Turabi, de 78 anos de idade, disse, que era “provável” que também algo de semelhante sucedesse no Sudão, foi imediatamente detido.
Jordânia
Na Jordânia reina Abdullah II, que se tornou rei a partir da morte do seu pai Hussein em 1999. Desde as eleições parlamentares, em Novembro passado, o parlamento compõe-se na sua quase totalidade por independentes e chefes tribais, que são leais ao rei. A oposição, sobretudo a Frente de Acção Islâmica, boicotou as eleições.
Também na Jordânia o desemprego é elevado. No entanto, aqui a situação dos direitos humanos é menos criticada do que noutros países árabes. No fim de semana cerca de 4000 pessoas exigiram na capital Amã sob as palavras de ordem “Pão e Liberdade” a demissão do governo.
Líbano
O Líbano já passou pela sua revolução: a Revolução dos Cedros, que se seguiu ao assassinato do antigo ministro-presidente Rafiq Hariri em Fevereiro de 2005. Porém a revolução não se dirigiu contra a elite nacional, como as revoltas na Tunísia e no Egipto, mas sim contra a influência da Síria sobre o país.
A Síria teve, na altura, que retirar as suas tropas, mas não se considerou vencida. Desde esta semana que o Líbano tem novamente um ministro-presidente que está próximo da Síria – e a política vai possivelmente voltar outra vez à rua.
Síria
Na Síria, o presidente Bashar al Assad, que sucedeu ao seu pai Hafiz no ano 2000 e ao mesmo tempo dirige o Partido da Unidade-Baath, permitiu nos últimos anos a entrada de bancos e investidores estrangeiros no país.
No entanto, o país continua fechado e isolado politicamente, sobretudo por causa da sua oposição a Israel e do presumível apoio a revoltosos no Iraque. A Internet está sob censura, não existe imprensa livre, os serviços secretos estão em todo o lado, as críticas ao regime são drasticamente punidas. Em 1982 foram mortas dezenas de milhar de pessoas, quando o regime actuou contra as irmandades muçulmanas.
Iémen
Em 1978 Ali Abdullah Saleh chegou ao poder através de um golpe militar no norte do Iémen; desde que este foi fundido em 1990 com o sul, governa todo o país como presidente. Em 2006 Saleh foi confirmado no seu cargo para mais sete anos.
Separatistas, rebeldes assim com a Al-Quaida estão sempre e repetidamente a desafiar o seu poder. Porém os actuais protestos da oposição e de jovens activistas poderão representar para o governo uma maior ameaça – a insatisfação é grande no mais pobre dos países árabes, no qual o próprio governo indica que o desemprego é de 40% entre os jovens do sexo masculino.
Omã
Omã serve como exemplo de desenvolvimento sustentado: quando o Sultão Kabus Ibn Said aí tomou o poder em 1970, não havia praticamente nenhuma infra-estrutura neste estado do deserto. Hoje existe uma rede de estradas, assistência na saúde e quase mais nenhum analfabeto.
Prudentemente, o sultão deste país do petróleo iniciou também uma política de abertura: desde 2004 existe um “Conselho Consultivo” eleito. Partidos e sindicatos são, no entanto, proibidos. Que debaixo desta superfície existem tensões, viu-se a meio de Janeiro, quando em Mascate 2000 pessoas se manifestaram contra os preços elevados de produtos alimentares. 42 por cento dos três milhões de Omanis têm menos de 15 anos de idade.
Introdução e tradução de João Alexandrino Fernandes
Fonte: „Arabische Welt- Eine Region in Aufruhr“, Frankfurter Allgemeine Zeitung, edição online de de 29.01.11, www.faz.net.
Artigo | 30 Janeiro, 2011 - 01:27
Manifestações no Egito. Foto de Sarah Carr, FlickR
A tradução que se segue refere-se a parte de um trabalho realizado pelo publicado no dia 29 de Janeiro, dedicado à actual situação no mundo árabe, desencadeada pela revolta na Tunísia e agora também no Egipto. O FAZ publica, no seu dossier sobre o tema, um conjunto de pequenos textos de síntese, destinados a dar ao leitor uma informação sucinta sobre alguns pontos essenciais da situação política e social que se vive num conjunto de países árabes, que, e embora não sendo os grandes protagonistas habituais da política mundial, no seu conjunto ocupam uma área geográfica e cultural de grande extensão. Em sentido oeste-leste, o FAZ refere-se Marrocos, já com problemas na costa ocidental de África, e, a partir de Gibraltar, refere-se, na costa africana do Mediterrâneo, à Argélia, à Tunísia e ao Egipto. No sul do Egipto aborda a situação do Sudão, e, seguindo a costa leste do Mediterrâneo no sentido sul-norte, as situações da Jordânia, do Líbano e da Síria, para terminar mais para leste ainda, no extremo sul da Península Arábica, com o Omã e o Iémen.
Evidentemente que os breves textos do FAZ não esgotam, de forma alguma, o conhecimento da situação dos respectivos países, nem sequer o pretendem. Mas podem ser úteis como indicação ao leitor interessado. Nesse sentido, aqui os deixamos:
Marrocos
Em Marrocos procuram muitos jovens um emprego em vão, jornalistas são condenados a penas de prisão, a corrupção é endémica. No entanto, e diferentemente do Saara Ocidental ocupado por Marrocos, onde na última vez no final de 2010, ocorreram mesmo protestos sangrentos, a situação no país é antes uma situação tranquila, até agora, se bem que depois do início da revolta na Tunísia também aqui tenham ocorrido auto-imolações pelo fogo.
Nos termos da Constituição, o Rei Mohammed VI nomeia e demite os ministros e o primeiro-ministro, podendo a qualquer altura dissolver o Parlamento. No entanto, comparativamente, existe aqui uma maior liberdade de expressão. Em 2004 a situação das mulheres no casamento foi juridicamente equiparada à dos homens.
Argélia
Desde há anos que ocorrem “Revoltas de fome” espalhadas pela Argélia. Assim, quando no início do ano o açúcar e o óleo alimentar encareceram repentinamente, começou no norte um levantamento que rapidamente se estendeu a toda a Argélia. Pelo menos cinco pessoas foram mortas, até que o presidente Bouteflika recuou na subida dos preços. Os militares, que estão ligados à empresa estadual de petróleo e gás Sonatrach, estão-lhe submetidos. No entanto segundo observadores, a Argélia tem potencial para seguir o exemplo da Tunísia. Pobreza, inflação e corrupção amarguram a juventude. Recentemente quatro argelinos incendiaram-se a si mesmos como forma de protesto.
Tunísia
A Tunísia era tida como um país estável – mesmo ainda quando já tinham irrompido as agitações que agora alastraram a quase todo o mundo árabe. Passaram três semanas até que os protestos, que tinham começado a meio de Dezembro na cidade de Sidi Bouzid depois da auto-imolação de um jovem, atingissem a capital Tunes.
Cinco dias mais tarde, o presidente Ben Ali teve de fugir do país – também porque o exército recusou segui-lo na repressão brutal dos protestos. As manifestações continuam, dado que existem representantes do regime que ainda se encontram a participar no poder.
Egipto
As tensões sociais no Egipto irromperam sempre e repetidamente nos últimos anos de forma violenta, frequentemente na forma de disputas entre Muçulmanos e Cristãos coptas.
A oposição contra o regime do presidente Hosni Mubarak, que governa há 30 anos, é duramente reprimida. A maior força de oposição são as irmandades muçulmanas islamitas, proibidas. No entanto, o movimento de protesto que agora abala o país formou-se fora das organizações tradicionais, sobretudo na Internet.
Sudão
O Governo de Cartum não se encontra apenas em apuros por causa da separação do sul, rico em petróleo. Nas eleições parlamentares nos inícios de 2010 ficou claro que também a insatisfação cresce no norte do Sudão, sobretudo entre os jovens.
As eleições não colocaram o presidente Baschir em perigo, tanto mais que seguidamente a oposição se incompatibilizou em discussões sobre a pergunta, como deveria reagir à sua manipulação. Mas que Baschir está nervoso, tal ficou claro depois da revolução na Tunísia: quando o líder islâmico Turabi, de 78 anos de idade, disse, que era “provável” que também algo de semelhante sucedesse no Sudão, foi imediatamente detido.
Jordânia
Na Jordânia reina Abdullah II, que se tornou rei a partir da morte do seu pai Hussein em 1999. Desde as eleições parlamentares, em Novembro passado, o parlamento compõe-se na sua quase totalidade por independentes e chefes tribais, que são leais ao rei. A oposição, sobretudo a Frente de Acção Islâmica, boicotou as eleições.
Também na Jordânia o desemprego é elevado. No entanto, aqui a situação dos direitos humanos é menos criticada do que noutros países árabes. No fim de semana cerca de 4000 pessoas exigiram na capital Amã sob as palavras de ordem “Pão e Liberdade” a demissão do governo.
Líbano
O Líbano já passou pela sua revolução: a Revolução dos Cedros, que se seguiu ao assassinato do antigo ministro-presidente Rafiq Hariri em Fevereiro de 2005. Porém a revolução não se dirigiu contra a elite nacional, como as revoltas na Tunísia e no Egipto, mas sim contra a influência da Síria sobre o país.
A Síria teve, na altura, que retirar as suas tropas, mas não se considerou vencida. Desde esta semana que o Líbano tem novamente um ministro-presidente que está próximo da Síria – e a política vai possivelmente voltar outra vez à rua.
Síria
Na Síria, o presidente Bashar al Assad, que sucedeu ao seu pai Hafiz no ano 2000 e ao mesmo tempo dirige o Partido da Unidade-Baath, permitiu nos últimos anos a entrada de bancos e investidores estrangeiros no país.
No entanto, o país continua fechado e isolado politicamente, sobretudo por causa da sua oposição a Israel e do presumível apoio a revoltosos no Iraque. A Internet está sob censura, não existe imprensa livre, os serviços secretos estão em todo o lado, as críticas ao regime são drasticamente punidas. Em 1982 foram mortas dezenas de milhar de pessoas, quando o regime actuou contra as irmandades muçulmanas.
Iémen
Em 1978 Ali Abdullah Saleh chegou ao poder através de um golpe militar no norte do Iémen; desde que este foi fundido em 1990 com o sul, governa todo o país como presidente. Em 2006 Saleh foi confirmado no seu cargo para mais sete anos.
Separatistas, rebeldes assim com a Al-Quaida estão sempre e repetidamente a desafiar o seu poder. Porém os actuais protestos da oposição e de jovens activistas poderão representar para o governo uma maior ameaça – a insatisfação é grande no mais pobre dos países árabes, no qual o próprio governo indica que o desemprego é de 40% entre os jovens do sexo masculino.
Omã
Omã serve como exemplo de desenvolvimento sustentado: quando o Sultão Kabus Ibn Said aí tomou o poder em 1970, não havia praticamente nenhuma infra-estrutura neste estado do deserto. Hoje existe uma rede de estradas, assistência na saúde e quase mais nenhum analfabeto.
Prudentemente, o sultão deste país do petróleo iniciou também uma política de abertura: desde 2004 existe um “Conselho Consultivo” eleito. Partidos e sindicatos são, no entanto, proibidos. Que debaixo desta superfície existem tensões, viu-se a meio de Janeiro, quando em Mascate 2000 pessoas se manifestaram contra os preços elevados de produtos alimentares. 42 por cento dos três milhões de Omanis têm menos de 15 anos de idade.
Introdução e tradução de João Alexandrino Fernandes
Fonte: „Arabische Welt- Eine Region in Aufruhr“, Frankfurter Allgemeine Zeitung, edição online de de 29.01.11, www.faz.net.
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