O tema das crenças tem sido muito comentados em alguns blogs que leio e que estão distantes do centro político. Este foi o tema de um curso que fiz na Academia Brasileira de Letras, “Mutações: A invenção das crenças, e semana passada ouvindo na internet uma destas palestras me deparei com uma leitura interessante acerca do sentido religioso do atentado contra as torres gêmeas. Esta leitura foi o tema da conferência de Jean-Pierre Dupuy que tento aqui reproduzir, com as minhas palavras.
O atentado as torres, segundo o conferencista, embora tenha atingido um símbolo do capitalismo mundial não teve efeito qualquer sobre o nosso modo de pensar racionalista e individualista. Tal modelo, já entronizado pelo senso comum, consiste em estabelecer razões para todas as ações da vida com base em desejos e crenças.
Ora, do ponto de vista das crenças toda ação é justificável, ou seja, conta com um mínimo de racionalidade. Assim, mesmo os atos insanos de terrorismo perpetrados em 11/09 podem ser explicados por meio de um processo em que se atribui crenças infactíveis aos agentes a fim de garantir a explicabilidade de suas ações. Por outras palavras, conferimos aos atos de outros motivações que não seriam capazes de nos fazer movimentar o mesmo dispêndio de força, rotulando-os como religiosos.
Isto só é possível pela criação de um estrangeirismo da cultura, ou seja, um sistema em que nós não nos reconhecemos naquelas pessoas, enquanto pessoas, e utilizamos argumentos no sentido de atribuir-lhes motivações insanas que nós mesmos não teríamos.
A explicação de Dupuy opõe-se a este sistema de alteridade invocando uma suposta identidade entre as culturas, entendendo tratar-se não de um ato de cunho religioso mas sim político. Menciona, em seu favor, a lição de Tocqueville que afirma que as maiores oposições se dão entre os iguais.
O que ele busca colocar no centro do debate é o caráter de espoliados com que os muçulmanos se reconhecem em relação ao ocidente. Afirma, para tanto, que na verdade eles não odeiam o “progresso” porém tem que lidar cotidianamente com a contradição de ser sistematicamente derrotados na luta pelo progresso. Assumem, portanto, o papel de vítimas, não pelo ódio ao ocidente, mas pelo próprio desenvolvimento do espírito competitivo no seio de sua própria cultura.
Enfim, invoca uma imagem de guerra civil dentro de uma única sociedade civilizacional compartilhada cujo motivo não é a defesa das tradições mas sua perda sem qualquer contrapartida. O ocidente não é, portanto, o seio da degeneração em si mesmo mas tão somente enquanto obstáculo ao “progresso” daquela parcela da civilização.
Tal processo de espoliação permitiu que os criminosos que fizeram o atentado contra as torres gêmeas, também por um senso anti-americano, pudessem ser vitimizados a uma pela injustiça da espoliação e também pelo autosacrifício.
Ainda assim, os teóricos continuam a se questionar sobre os objetivos e as estratégias dos terroristas sem perceber que seu objetivo não é, nem foi, derrubar as torres. As torres foram somente o alvo da inveja, do olhar atravessado, para o “progresso” do ocidente que representavam e o obstáculo ao seu próprio progresso.
Em suma, o que ocorreu não foi o ato sacrificial das vidas dos terroristas, o autosacrifício, mas o sacrifício real que agrega em si o terror e a veneração, ou seja, foi a própria sagração daquele espaço por meio da violência. Ali, o que foi sacrificado, a despeito de todo anti-americanismo, foram vidas inocentes. Tal fato só pode ser negado pelo discurso religioso que afronta o caráter político do ato realizado.
Por fim, enquanto realização do sagrado, da violência, o ato dos terroristas pode sim ser explicado mas não justificado, ou seja, ele quebra com o modelo de arrazoamento por meio de desejos e crenças.
Bom texto !
ResponderExcluirGostei do Blog !
passa lá
http://elarretado.blogspot.com/
Hoje em dia a violencia é parte integrante da vida do ser humano. Eu compartilho da tua ideia de que o ato terrorista pode ser explicado mas não justificado. Nada justifica tirar a vida de pessoas inocentes em nome de um Deus. Obrigada pelo texto... Gostei muito dele e vc escreve divinamente... Passa no meu blog?
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