terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Dilma, a oposição e a gramática da política

A oposição ainda não se refez do golpe que foi a terceira derrota presidencial consecutiva. A própria campanha e as contradições com que a conduziu Serra agravaram a situação. Agora, ela se vê às voltas com a disputa de rumos sobre projeto para 2014.
Por Walter Sorrentino
Mais uma vez isso assume a feição de uma disputa pela hegemonia do comando do PSDB, entre o núcleo paulista e Aécio Neves. Mais uma vez, disputa entre caciques, em guerra não-convencional. O eleitorado de 44 milhões, fica a esperar a fumaça branca, os articulistas da mídia se desesperam.
Estocadas de parte a parte ocorreram. Serra está enfraquecido pela derrota, mas só disse “até logo”. Aécio motivou adesão a Sérgio Guerra na presidência do partido. Já a bancada elegeu o líder Nogueira, de composição entre Alckmin e Serra. Aloísio Nunes revidou dizendo que “Aécio não é candidato natural em 2014”. A disputa alcança o DEM, nesse caso teleguiado pelo PSDB. ACM Neto na liderança foi uma derrota para Kassab — o que pode acelerar sua ida para o PMDB. E também atinge o PPS, que faz um bloco com o PV esperando a coisa clarear.
Nessas horas entra FHC, nada neutro nessa disputa pela hegemonia, como a “voz cantante”. Em seu artigo dominical, “Tempo de Muda”, ele abre a metralhadora giratória contra tudo do governo Dilma, sem esquecer o antecessor Lula. Pode-se dizer que, para ele, o tempo é de berrar. Sustenta assim o propósito de Serra, que é duro na queda e manobra para se manter à tona. Se em acordo com Alckmin, pode voltar a se candidatar em 2014 ao governo estadual.
Mas, e se Alckmin compuser com Aécio? Na verdade a chave é essa: a força de Alckmin e a força de Aécio. No meio, a força da disputa até a última gota de Serra (e FHC) sobre o comando.
A oposição está no particípio passado que quer se fazer presente. O futuro vai ter que esperar. Com esse tom de Serra de que “será preciso demonstrar quem de fato defende a social-democracia”, denunciando que “o PT adotou as bandeiras, mas subverteu as práticas”, não vai ser fácil. Nada mais paulista, aliás. Vai demorar, então, para encontrar seu eixo, porque precisará reaprender a dialogar com o país da nova realidade sócio-econômica da maioria do povo. Por ora, só essa luta interna, e la nave va.
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O governo Dilma está no tempo infinitivo; representa uma ação, mas ainda não completou a gramática do tempo, modo, aspecto, número e pessoa. Foi composta uma agenda do governo e um novo estilo da presidente. Há forte disputa conservadora sobre o rumo do governo, expresso na toada de comparar Dilma e Lula, enaltecendo-a desmedidamente perante o antecessor.
Por baixo do pano, o jogo é outro: valorizar ajuste fiscal, o combate à inflação pelos meios correntes e estreitos dos juros altos, câmbio solto na flutuação, política externa de realinhamento com EUA. Financial Times e Estadão são mestres nisso… é a lua de fel com Dilma.
A agenda Dilma pode ter êxito. Mas dependerá de uma equação macroeconômica mais corajosa, para afirmar uma onda de investimentos inédita. No plano político, PT domina a cena do governo, já provocando descontentamentos vários e preocupantes pelo quase-monopólio político.
A questão central, não enfrentada todavia, mas estratégica para o êxito dessa agenda, é a constituição de um núcleo programático sólido no centro do governo, com forças político-partidárias, setores e lideranças avançados. Só assim se pode dar governabilidade ampla ao governo Dilma, sem perder o rumo. Por ora, apenas o PT está posto nesse núcleo. Não basta. Será preciso instá-lo, e igualmente o governo Dilma, para cumprir papel mais de liderança que de força. A esquerda deve ter maior papel nesse processo, junto às forças sociais populares em sustentação da agenda do governo.
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Há fatos correlatos no movimento político que alcançam dimensão nacional, principalmente quando envolvem São Paulo e o PMDB.
Michel Temer é vice-presidente da República, do PMDB de São Paulo, e o ex-líder Quércia faleceu. Kassab prefeito (DEM) se movimenta para uma nova formação, politicamente forte, precisamente o PMDB renovado. Têm um Ministro da Agricultura, forte, cujo filho deputado federal presidirá o partido.
Com isso, o PMDB em São Paulo volta a ser uma dessas reservas políticas que promete modificar a bipolarização extenuante entre PSDB e PT, que levou à derrota do PT em 16 anos ao governo estadual, desde que Quércia, liderança democrática, foi espremido pelo PSDB e PT. Volta a se instituir um centro político no Estado, muito bem vindo.
Os políticos são como as nações: necessitam de espaço vital para seguir adiante na afirmação de seu projeto. Kassab visa ao governo em 2014. Por ora, objetivamente, vai para a base de sustentação de Dilma, não apenas porque é prefeito e necessita de apoio administrativo. Serra, seu aliado, objetivamente vai para a “política do berro” contra o governo, em direção 180° contrária.
Em 2012 poderão não se deslindar necessariamente os liames, dependendo dos acertos entre Serra e Alckmin no PSDB. Identidades eleitorais, em ambiente de duopólio político como São Paulo nas últimas décadas, são deslindadas processualmente. Mas Kassab terá que abrir seus próprios caminhos para candidatar-se ao governo em 2014, objetivamente se contrapondo a Alckmin. Esse movimento já está em curso, com cautela e habilidade. Daí sua importância estratégica para despolarizar a cena política de São Paulo.
Muita coisa está em aberto, mas essa é a grande novidade política no país.
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Mas o PMDB não segue incorrigível. A proposta de Michel Temer endossada na PEC do senador Francisco Dorneles é um despautério político. Introduz os “distritões” eleitorais como ponto central da “reforma política”. Seriam eleitos apenas os nomes mais votados até o número de vagas, em cada estado, a deputado federal. Seria o triunfo final do personalismo na política, uma esbórnia do poder econômico nas eleições, a desmoralização final dos partidos políticos. Custa a crer, mas é algo só existente hoje no Afeganistão, Indonésia e Jordânia.
A representação proporcional, única capaz de representar de fato o conjunto da nação e do povo, vai pro espaço, retornando um esquema que prevaleceu no fim século 19 e início do 20. Ora vejam que ideia avançada de nação têm essa gente. Distritão é uma barbaridade, totalmente na contramão do impulso civilizatório necessário ao país. Pelo menos os tucanos são mais explícitos em mostrar seus punhos de renda, porque defendem abertamente o sistema distrital, sabidamente produtor de bipolaridade política e fortalecimento do poder econômico nas eleições de deputados; (mais) uma elitização aberta do sistema político.
Enquanto o PMDB imaginar que só pode sobreviver com tais expedientes, não passará da condição de pêndulo político. Se não for capaz de relacionar qualquer pretensão de reforma política a uma ideia de nação ainda por completar sua formação democrática, incorporar a maioria da cidadania ao seu escopo, impulsionar o desenvolvimento e outro estágio civilizatório, o PMDB é pigmeu olhando para seus pés, um verbo defectivo.

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