quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

História e estórias

Terminei de ler o livro do Faustini, Guia afetivo da periferia. Trata-se de crônicas de um rapaz, jovem , menino que relacionam seus estados afetivos com locais da periferia do Rio de Janeiro. Apesar do fundo biográfico, o livro não é pretensioso e nem tem uma trama que desenrede num final apoteótico. É exatamente esta sua beleza, trata-se, simplesmente, da história afetiva de uma pessoa, sim, não de um personagem mas de uma pessoa.
Me inquietou, então, quem conta a história destas pessoas “normais”, destes brasileiros? A história divide-se, estou sendo leviano neste ponto, entre os que contam a história dos grandes fatos e dos grandes homens e daqueles que contam a história dos grandes processos e das grandes lutas. Mas, pelo menos eu, nunca vi ninguém contar a história das pessoas. Me pergunto se não vem daí a distinção entre estória e história.
A história das pessoas, como seu ser, está sempre por contar, seu valor se afirma a cada novo fato e a cada novo afeto. A tarefa de contar esta história está, portanto, inacessível ao historiador, “isento”, por meio de seus conceitos, afirmando seu valor a partir de algo que é a cultura da palavra. Nomeio cultura da palavra um modo de contar a história que não mais existe enquanto valor histórico, ou melhor, historiográfico, ou seja, a cultura auditiva.
Este modo afirma num nível elevado de importância e num nível elevado de respeito o que é ouvido e passado pela descendência. Neste modo, acredito eu, chegamos o mais próximo possível de conferir valor à existência real, tangível, e não conceitual da vida das pessoas e dos processos de compreensão de si e dos outros. De fato, somente pelo poder auditivo silência o apelo do conceito e podemos ouvir o apelo da vida, a final este “audível” tem mais peso que palavras em livros, pois nele se inclui todos os afetos passados e desejos futuros em relação ao interlocutor.
Tal tarefa, de contar a história afetiva das pessoas, ficou relegada às pequenas comunidades familiares ou tribais e, com ela, toda possibilidade de num sentido à la Kundera sentir compaixão. Entendo que estamos “presos”, enquanto não ouvirmos o apelo da história real, ao conceito de “outro”, não no sentido da alteridade, mas no sentido da identificação que não é identidade. Quero dizer com istok, que procuramos incessantemente nos identificar com a “dor”, enquanto vagamos desolados pela angústia da solidão. Não somos mais capazes de, por conta do domínio da história conceitual, aproximarmos afetivamente dos outros.
Por fim, devo deixar claro que não pretendo fazer ode a um tradicionalismo caturro que viva para reviver o passado mas, tão somente, relembrar que não superamos, apesar de todo esforço, a metafísica, principalmente no que tange ao conhecer, e ela significa, necessariamente um esquecimento do ser. Talvez mais a frente tente descobrir se e em que medida podemos fazê-lo.

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