quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Por que tragédia?

Usualmente a palavra tragédia está em nossos cotidianos como o significado de algo ruim, algo destruidor. Recentemente, por exemplo, uma tragédia assolou a região serrana do Rio de Janeiro e fez inúmeras vítimas. A tragédia, portanto, carrega o peso do sofrimento e da dor. Tendo isto em vista iniciei a me perguntar por que ela uniu os filósofos Marx e Nietzsche, ora, talvez tenha sido pelo nível de violência que assolava a Europa em sua época, mas tal resposta, historiográfica, não poderá nos dar o peso adequado de um conceito filosófico e, portanto, é indispensável investigar o que há no trágico que os encantou.

Em uma filosofia voltada para a vida as palavras possuem um peso. Este peso associa-se tanto com seu sentido de senso comum, vez que a filosofia tem o objetivo de tocar as pessoas, mas também revela a profundidade de um conceito que explica a realidade a partir de uma noção sistémica. Ora, incluir Nietzsche e Marx em uma mesma tradição filosófica, ou seja, num mesmo modo de analisar os problemas do mundo seria por demais problemático e nos afastaria do tema central que é entender por que o vigor do trágico tem relevância entre estes pensadores e mesmo entre nós.

A pergunta que devemos fazer então é o que Marx quis dizer quando afirmou que “Todos os grandes fatos e personagens históricos ocorrem duas vezes uma como tragédia e outra como farsa” E, por mais contraditório que isto possa parecer, Nietzsche é capaz de explicar tal afirmação nos lembrando que não é só a destruição que a tragédia traz, mas também o belo e o novo, em seu dizer a tragédia é “Um vento de tempestade que apanha tudo o que é gasto ,podre, quebrado, atrofiado, envolve-o no torvelinho de uma nuvem rubra de poeira eu carrega como um abutre pelos ares”

Se aproximam, então, as noções do entendimento de mundo dos filósofos poís ambos percebem a mútua relação entre a destruição e o novo, ou seja, é necessário que um desapareça para que outro possa surgir. Com isto, entendemos o efeito do trágico e percebemos que as visões de mundo tem pontos de encontro mas nada dissemos ainda sobre o que é a tragédia.

Neste sentido, ambos, Marx e Nietzsche, cada um a seu modo percebeu em sua época o renascente interesse pela antigüidade e, com acuidade, ambos diagnosticaram tal interesse como uma ilusão, um meio de esconder os limites que a violência e o desejo de liberdade possuíam por causa da vida material. Assim, inicialmente a tragédia é uma pulsão pela liberdade que desenfreadamente segue seu curso e só retoma seus limites a partir da forma histórica que as condições de vida lhes permitem. Assim sendo, conforme Marx, uma vez que cessa a pulsão pela transformação podem surgir os novos intérpretes da sociedade e os seus novos problemas.

Assim, enquanto vigora o vigor do trágico escondem-se os limites históricos da ação e o homem, como herói de seu tempo, é impelido ao agir em direção à sua tarefa nobre de realizar a libertação da humanidade.

A farsa, por seu turno, é o simulacro deste agir (trágico) que retoma, segundo Nietzsche, a ligação com o cerne do mundo, no sentido de compadecer-se tanto com a dor do outro, ou melhor, da inexistência de outro que impele ao agir. No simulacro o que ocorre é a repetição deste impulso como resposta aos problemas que a interpretação corrente de mundo não consegue, por seus limites históricos, responder buscando, por isto, na caturrice de reviver o passado tentar obter meios para dar conta de seus problemas sem ser obrigado a permitir que venha novamente, segundo Nietzsche, tudo que os farsantes tem mais medo é a tragédia pois ela representa seu ocaso.

Marx e Nietzsche como vimos confluem na visão de que a tragédia traz o novo orientada pelos seus limites históricos e, talvez, nem precisássemos deles para perceber isto bastaria olhar para situações em que as pessoas compadecem da dor como se fosse sua. Seu mérito é a uma perceber isto enquanto conceito filosófico capaz de explicar o móbil das pessoas em direção à liberdade e demonstrar o caráter do novo que a destruição e a violência devem necessariamente trazer. São estas as razões que explicam, ainda hoje, o vigor de falar em tragédia conceitual pois é na esperança de que as palavras faltem e nós resgatemos o sentido dos clássicos que se encontra o fundamento de todo agir até que possamos deixar de ser farsantes e cunhar uma nova interpretação do mundo.

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