terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Wikileaks revela sabotagem contra Brasil tecnológico

Texto reproduzido do sítio esquerda.net

Casa Branca tomou acções concretas para dificultar e sabotar o desenvolvimento tecnológico brasileiro em duas áreas estratégicas: energia nuclear e tecnologia espacial. Por Beto Almeida, Carta Maior.

Artigo | 1 Fevereiro, 2011 - 01:00

Área do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA)

Os telegramas da diplomacia dos EUA revelados pela WikiLeaks revelaram que a Casa Branca toma acções concretas para dificultar e sabotar o desenvolvimento tecnológico brasileiro em duas áreas estratégicas: energia nuclear e tecnologia espacial. Em ambos os casos, observa-se o papel anti-nacional dos grandes meios de comunicação brasileiros, bem como escancara-se, também sem surpresa, a função desempenhada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, colhido em uma exuberante sintonia com os interesses estratégicos do Departamento de Estado dos EUA, ao tempo em que exibe problemática posição em relação à independência tecnológica brasileira.

O primeiro dos telegramas divulgados, datado de 2009, conta que o governo dos EUA pressionou autoridades ucranianas para emperrar o desenvolvimento do projecto conjunto Brasil-Ucrânia de implantação da plataforma de lançamento dos foguetes Cyclone-4 – de fabricação ucraniana – no Centro de Lançamentos de Alcântara, no Maranhão.

Veto imperial

O telegrama do diplomata americano no Brasil, Clifford Sobel, enviado aos EUA em Fevereiro daquele ano, relata que os representantes ucranianos, através de sua embaixada no Brasil, fizeram gestões para que o governo americano revisse a posição de boicote ao uso de Alcântara para o lançamento de qualquer satélite fabricado nos EUA. A resposta americana foi clara. A missão em Brasília deveria comunicar ao embaixador ucraniano, Volodymyr Lakomov, que os EUA “não querem” nenhuma transferência de tecnologia espacial para o Brasil.

“Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contando que tal actividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil”, diz um trecho do telegrama.

Em outra parte do documento, o representante americano é ainda mais explícito com Lokomov: “Embora os EUA estejam preparados para apoiar o projecto conjunto ucraniano-brasileiro, uma vez que o TSA (acordo de salvaguardas Brasil-EUA) entre em vigor, não apoiamos o programa nativo dos veículos de lançamento espacial do Brasil”.

Guinada na política externa

O Acordo de Salvaguardas Brasil-EUA (TSA) foi firmado em 2000 por Fernando Henrique Cardoso, mas foi rejeitado pelo Senado Brasileiro após a chegada de Lula ao Planalto e a guinada registada na política externa brasileira, a mesma que muito contribuiu para enterrar a ALCA. Na sua rejeição, o parlamento brasileiro considerou que seus termos constituíam uma “afronta à Soberania Nacional”. Pelo documento, o Brasil cederia áreas de Alcântara para uso exclusivo dos EUA sem permitir nenhum acesso de brasileiros. Além da ocupação da área e da proibição de qualquer engenheiro ou técnico brasileiro nas áreas de lançamento, o tratado previa inspecções americanas à base sem aviso prévio.

Os telegramas diplomáticos divulgados pela Wikileaks falam do veto norte-americano ao desenvolvimento de tecnologia brasileira para foguetes, bem como indicam a cândida esperança, mantida ainda pela Casa Branca, de que o TSA seja, finalmente, implementado como pretendia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas, não apenas a Casa Branca e o antigo mandatário esforçaram-se pela grave limitação do Programa Espacial Brasileiro, pois neste esforço algumas ONGs, normalmente financiadas por programas internacionais dirigidos por mentalidade colonizadora, actuaram para travar o indispensável salto tecnológico brasileiro para entrar no selecto e fechadíssimo clube dos países com capacidade para a exploração económica do espaço sideral e para o lançamento de satélites. Junte-se a eles, os média nacionais que não destacaram a gravíssima confissão de sabotagem norte-americana contra o Brasil, provavelmente porque tal atitude contraria a sua linha editorial historicamente refractária aos esforços nacionais para a conquista de independência tecnológica, em qualquer área que seja. Especialmente naquelas em que mais desagradam as metrópoles.

Bomba! Bomba!

O outro telegrama da diplomacia norte-americana divulgado pela WikiLeaks recentemente e que também revela intenções de veto e acções contra o desenvolvimento tecnológico brasileiro veio à tona de forma torta pela revista Veja, e fala da preocupação gringa sobre o trabalho de um físico brasileiro, o cearense Dalton Girão Barroso, do Instituto Militar de Engenharia, do Exército. Girão publicou um livro com simulações por ele mesmo desenvolvidas, que teriam decifrado os mecanismos da mais potente bomba nuclear dos EUA, a W87, cuja tecnologia é guardada a 7 chaves.

A primeira suspeita revelada nos telegramas diplomáticos era de espionagem. E também, face à precisão dos cálculos de Girão, de que haveria no Brasil um programa nuclear secreto, contrariando, segundo a óptica dos EUA, endossada pela revista, o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, firmado pelo Brasil em 1998, Tal como o Acordo de Salvaguardas Brasil-EUA, sobre o uso da Base de Alcântara, o TNP foi firmado por Fernando Henrique. Baseado apenas em uma imperial desconfiança de que as fórmulas usadas pelo cientista brasileiro poderiam ser utilizadas por terroristas, os EUA, pressionaram a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) que exigiu explicações do governo Brasil, chegando mesmo a propor o recolhimento-censura do livro “A física dos explosivos nucleares”. Exigência considerada pelas autoridades militares brasileiras como “intromissão indevida da AIEA em actividades académicas de uma instituição subordinada ao Exército Brasileiro”.

Como é conhecido, o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, vocalizando posição do sector militar contrária a ingerências indevidas, opõe-se à assinatura do protocolo adicional do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, que daria à AIEA, controlada pelas potências nucleares, o direito de acesso irrestrito às instalações nucleares brasileiras. Acesso que não permitem às suas próprias instalações, mesmo sendo claro o descumprimento, há anos, de uma meta central do TNP, que não determina apenas a não proliferação, mas também o desarmamento nuclear dos países que estão armados, o que não está ocorrendo.

Desarmamento unilateral

A revista publica providencial declaração do físico José Goldemberg, obviamente, em sustentação à sua linha editorial de desarmamento unilateral e de renúncia ao desenvolvimento tecnológico nuclear soberano, tal como vem sendo alcançado por outros países, entre eles Israel, jamais alvo de sanções por parte da AIEA ou da ONU, como se faz contra o Irão. Segundo Goldemberg, que já foi secretário de ciência e tecnologia, é quase impossível que o Brasil não tenha em andamento algum projecto que poderia ser facilmente direccionado para a produção de uma bomba atómica. Tudo o que os EUA querem ouvir para reforçar a linha de vetos e constrangimentos tecnológicos ao Brasil, como mostram os telegramas divulgados pela WikiLeaks. Por outro lado, tudo o que os EUA querem esconder do mundo é a proposta que Mahmud Ahmadinejad , presidente do Irão, apresentou à Assembleia Geral da ONU, para que fosse levada a debate e implementação: “Energia nuclear para todos, armas nucleares para ninguém”. Até agora, rigorosamente sonegada à opinião pública mundial.

Intervencionismo crescente

O semanário também publica franca e reveladora declaração do ex-presidente Cardoso : “Não havendo inimigos externos nuclearizados, nem o Brasil pretendendo assumir uma política regional belicosa, para que a bomba?” Com o tesouro energético que possui no fundo do mar, ou na biodiversidade, com os minerais estratégicos abundantes que possui no subsolo e diante do crescimento dos orçamentos bélicos das grandes potências, seguido do intervencionismo imperial em várias partes do mundo, desconhecendo leis ou fronteiras, a declaração do ex-presidente é, digamos, de um candura formidável.

São conhecidas as sintonias entre a política externa da década anterior e a linha editorial dos grandes média em sustentação às directrizes emanadas pela Casa Branca. Por isso, esses pólos mediáticos do unilateralismo em processo de desencanto e crise encontram-se tão embaraçados diante da nova política externa brasileira que adquire, a cada dia, forte dose de justeza e razoabilidade quanto mais telegramas da diplomacia imperial como os acima mencionados são divulgados pela WikiLeaks.

Beto Almeida é jornalista

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