As festas de fim de ano fazem emergir os valores antagônicos do consumismo e da reunião. Estes remetem ao culto do mesmo modo como o culto remete a crença. Com isto em vista, comecei a me perguntar sobre o que acredito e percebi que acredito em muitas coisas.
Não raro as coisas que mais nos são vívidas e caras caem no esquecimento. Penso que se tem algo que pode ser útil nesta época do ano é relembrar. O culto é associado à religião e o que cai no esquecimento é o império que a crença exerce em nossas vidas.
É suficientemente claro, se formos intelectualmente honestos, que a ciência e a política, embora associadas a verdade e à justiça respectivamente, são dominadas pela crença em pelo menos dois sentidos a saber, acreditamos que é possível aferir algo verdadeiro sobre o real e que a verdade é mais importante que seu contrário.
A crença é, então, indispensável para que seja possível avaliar em qualquer sentido que possa se dizer válido. Com efeito, não se pode aferir de modo prático a validade estrutural do que dizemos mas tão somente daquilo que é representado do que dizemos. Tomemos por exemplo a frase: “o céu é azul”. Podemos aferir a verdade ou falsidade do que a frase diz, o céu pode ou não ser azul, contudo, jamais poderemos questionar a validade de sujeito e predicado ou do verbo de ligação é.
O questionamento da crença nos revela que ela está na base do nosso próprio pensar. De fato acreditamos que o mundo é de um determinado modo orientado pelo modo que pensamos, o que não significa que não poderia ser diferente se a estrutura de nosso pensamento fosse diferente. Há, portanto, uma dessacralização do mundo pois não há ordem de prioridades entre as crenças. Do mesmo modo que há um rebaixamento dos ideais humanos em relação ao limite daquilo que historicamente o desenvolvimento da razão nos permite imaginar.
Pelo questionamento da crença somos colocados no centro, tão distantes dos ideais transcendentais, teístas, quanto de nossas fulgurações abstratas. Tal questionamento nos coloca na única posição que nos é digna, a posição de seres humanos. Ser humano é, em suma, relacionar-se com o real e isto significa crer.
Crer e relacionar-se regem o homem e é a partir deles que tocamos o real. A diferença entre crer e saber é eliminada na estrutura de nossos pensamentos por que da crença depende toda estruturação do real. Estruturar diz uma ação e toda ação é uma produção. Neste sentido o homem é o ser que crê e, enquanto tal, é aquele que produz sentido.
Este é o único sentido em que, de modo realista, posso falar de religiosidade. Esta significa, à meu ver, reconectar-se com o sentido da crença, que está a todo tempo esquecido, por meio do relacionamento que estabelecemos com o mundo. É nisto que creio e você em que acredita?
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