quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O inferno é o BigBrother

Este texto é uma brincadeira com o camarada Allysson do blog sinalpreto.blogspot.com. Neste buscarei observar o BigBrother numa perspectiva existencialista com base em dois textos do Sartre, “O existencialismo é um humanismo e “Entre quatro paredes, e um do Nietzsche, “O Nascimento da tragédia”. Embora seja uma brincadeira , espero eu, que ele possa contribuir na espécie para analisar o fenômeno do BigBrother e em geral da programação televisiva.

Quanto à metodologia será dividido em três atos, para manter-me fiel ao teatro, no primeiro falarei da relação dos indivíduos com o programa, no segundo do ambiente e sua referência nos sujeitos que ali estão e no terceiro da retirada do vigor artístico por meio da perda do efeito trágico.

A entrada na casa subjetividade que se renova

Já há tempos exige-se do candidato uma postura de engajamento em relação à entrada na casa que se traduz na exigência do vídeo. Tal postura é a normalização do diferencial. Nesta etapa estimula-se a contração do querer com o ser oriundo do agir, assim surgem extravagâncias que são falseamentos do que o pleiteante desejaria ser. O que se objetiva, no caso em tela, é que nosso ser seja uma única coisa, unívoca, materializada numa forma daquilo que é o padrão ideal para a televisão, ou melhor, para a criação de uma marca televisiva autônoma.

Trata-se de uma falsificação do ser das pessoas que, uma vez escolhidas encontram-se no dilema de como manter a força deste falseamento dentro de um jogo a-moralizado não pela inexistência do sagrado, sustentáculo moral , que do lado de fora conserva a relação, unitária, de ser e dever ser mas pela própria existência do sagrado convertido em material, o prêmio em dinheiro. O desamparo da escolha é então trazido de volta sob a face do jogo ou da manutenção da “autenticidade” que, diga-se de passagem, inexiste desde o início. Isto significa que haverá o jogador de escolher manter o personagem ou tentar, tanto quanto possível, manter-se fiel às suas crenças.

Isto em um ambiente em que elas, as crenças, nada significam pois aquilo que representa o sagrado foi transformado em coisa, em dinheiro. De todo modo o que é permitido é o falseamento e a consequência disto é a perda da dignidade de uma escolha que, ainda que desamparada, pudesse ser legitimamente uma escolha humana ou seja orientada por um senso de responsabilidade. O teatro do homem torna-se, então, um teatro de personagens desumanizados em formas ideais, modelos vendáveis. Não há, em suma, liberdade, salvo no dinheiro, e, por isto, não há escolha.

A ambiência e o ambiente instaurador de um sustentáculo

O falseamento deverá necessariamente se esvair no espetáculo já no momento em que se dá o reconhecimento das culturas diferentes. Neste momento, na entrada, mostra-se enfim e, talvez, somente desta vez, a realidade da impossibilidade de escolher qualquer coisa que se aproxime do ser real das pessoas. A partir de então inicia-se uma guerra em busca de um espelho, quero dizer, de um meio para retomar pelo menos em parte a dignidade que fora negada no momento da seleção. Este é o milagre da des-importancia importante, a euforia da chegada está associada a encontrar auto referenciamento e o “carrasco”, no caso em tela, nichos de conhecimento e adversidade.

A ambiência, que inclui o conhecimento imediato e o ambiente territorial, obriga a formação do conhecimento mediato. Este não se relaciona com a cura, amenização das dores pessoais, mas tão somente com a auto referenciação. Isto por que a única referência real neste mundo do BigBrother é a transcendência materializada, o prêmio em dinheiro, que encontra-se sempre mais distante conforme a auto referenciação, o espelho, se torna mais escasso. Assim, onde antes se podia buscar espelho agora só se poderão ver carrascos e, com isto, a subjetividade como limite da ação e não mais como vontade de agir. Este caminho é contínuo conforme o falseamento inicial se aproxima do momento em que o sacro, o prêmio em dinheiro, se torne materialidade.

O artístico e o espectador

A volta à dignidade por meio da auto referenciação não nos permite olhar a atualização inicial do querer como fruto da materialização da transcendência, do prêmio em dinheiro. O que nos faz nos crer na simplicidade da atualização do querer dentro do produto artístico no modo real de experimentar a transcendência, ou seja, enquanto projeção de nossas vontades. Somos então tomados pelo otimismo de rejeitar o desamparo  e arremeter em direção à consecução daquilo que foi incutido como padrão. Todo o sacro, esfera da dignidade, torna-se profano pois por meio da “ausência” da transcendência real, projeção do nosso querer, somos, enfim, tomados pela ilusão e arrebatados pela identificação. Em nós o falseamento produz uma nova atualização do desejo de liberdade, da esperança de, pelo simples ato de vontade, reproduzir nosso querer ser individual por meio do voto.

Não há o efeito artístico neste tipo de produção artística. Aqui não se pode apelar ao sentido do que as personagens sentem. A uma por causa da contradição de ser e não ser personagem, a duas por que seu modo de ser revelado, ao início, não é seu modo de ser mas sim a obrigação de um “deus maquina” de mostrar a estória de antemão deixando para nós a tarefa de descobrir seus sentimentos e não de acompanhar suas ações. Assim, enquanto tentamos descobrir seus sentimentos, não podemos de modo algum sentir compaixão, no sentido de vivenciar a sua dor na escolha, ou seja, experimentar a tragédia. O que resta então é o mero deleite nas paixões e na identificação de nossa projeção. Ao contrário do que possa parecer nada resta de reality salvo a matéria de carne da qual são feitos nossos heróis tão pouco trágicos.

Um comentário:

  1. É, PV, se vc me permitir um reducionismo escroto, a interpretação que fica é que o BBB é a metáfora perfeita do capitalismo.
    O movimento do Capital que Marx caracteriza como que rompendo os elos feudais dos valores, ou seja, a mercadoria que vem para substituir os elos de parentesco, a honra, a lealdade.
    No Big Brohter, o ser humano, transformado em mercadoria ( característica também do capitalismo, onde a produção se sustenta na venda da força de trabalho, e esta surge portanto como mercadoria), busca as relações sociais da forma mais pragmática possível, como que um "tipo-ideal" das relações humanas no capitalismo, e quando questionado na moral dominante, o participante responderá "mas isto faz parte do jogo, eu estou jogando".

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