sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Esclarecendo a polêmica do Creative Commons

O Dilema Dissonante vêm passando por transformações e uma delas será incluir periodicamente entrevistas com lideranças dos movimentos sociais e pessoas esclarecidas sobre determinados temas para nos elucidar sobre problemas que são de interesse da sociedade. Iniciaremos hoje tal projeto entrevistando o Diretor de Cultura da UNE Felipe Redó e Aline Carvalho que é formada em estudos de mídias pela UFF e Mestranda em Paris VIII.

Felipe Redó 

1.Primeiramente, para que os leigos possam entender. Há diferença entre licenciamento e liberação?

Liberação é o ato de liberar a obra para um fim definido, sob os termos legais determinados pelo autor. Estes termos são as licenças, que definem juridicamente o uso que pode ser feito da obra. Por exemplo, no caso de uma música sob licença Creative Commons BY - NC, a letra e/ou os arranjos podem ser copiados, distribuídos, transmitidos ou utilizados para criação de obras derivadas, desde que citada a fonte (BY) e que o produto seja compartilhado sob a mesma licença (SA).

2. Por que não é suficiente a liberação do conteúdo, ou seja, por que é necessário o licenciamento?

Porque o licenciamento tem fundamentos jurídicos para definir os termos de uso daquele conteúdo. No caso do Creative Commonms, que é uma licença reconhecida internacionalmente e adotada por diversos países, o logotipo CC BY SA é uma identidade visual que remete a um tipo de uso que pode ser feito, inclusive para usuários que não falem português, por exemplo. Ao clicar sobre a logo, o usuário é encaminhado para a página do CC que explica os termos de uso daquela licença. A simples "liberação do conteúdo" não possui efeito legal e dá margem a uma situação de insegurança jurídica para quem reutiliza este conteúdo.

3. Como você avalia a troca da CC pela liberação do conteúdo?

Existem duas avaliações para a retirada do CC do site do MinC.

A primeira, técnica, é negativa por não ter efeitos jurídicos claros, como explicado acima.

A segunda, política, é ainda mais precoupante, por diversas razões. O CC vinha sendo apoiado pela gestão anterior como um estímulo à discussão sobre cultura digital e novas formas de produção e circulação da cultura. Retirá-lo é claramente uma demarcação política de oposição à gestão anterior, que, embora tenha tido seus erros enquanto gestão, teve um avanço reconhecido na área em questão, colocando o Brasil como referência no cenário internacional da cultura digital.

Este é então é um ato simbólico e também um recado da ministra e sua equipe - claramente vinculados à classe artística conservadora e ao Ecad - de que não estão inclinados à discussão sobre direitos autorais.

Além disso, outros sites governamentais no mundo inteiro - inclusive o próprio blog da presidência (http://blog.planalto.gov.br/) - utilizam este tipo de licença, sob o entendimento que as informações contidas num site governamental são, por definição, públicas. (Sobre isso, ver http://www.dalicencaminc.com.br/, site criado por ativistas da cultura digital comparando o site do MinC com outros sites que fazem uso de licença CC)

Fruto de falta de informação ou rixa política, fato é que esta descontinuidade vai contra a linha de governo com a qual se comprometeu a presidente eleita, frustrando assim boa parte da classe cultural que votou em Dilma pela garantia da continuidade das políticas do Lula. E a cultura digital foi, nos últimos 8 anos, um dos maiores avançoes do governo no cenário cultural, técnico e social do país.

4. Este processo de engavetamento da lei de licenciamento pode prejudicar o desenvolvimento tecnológico do país? Como?

O que foi "engavetado" foi a revisão da Lei de Direito Autoral (9610/98), realizada durante o ano de 2010 através de consulta pública e centenas de reuniões com diferentes setores culturais. Este marco regulatório vai além da questão do licenciamento propriamente, e define a concepção de direito autoral, direito patrimonial e direitos de exploração.

A necessidade de revisão se dá pelo fato da atual legislação ser excessivamente restritiva em relação aos acordos internacionais de propriedade intelectual, e em diversos pontos confusa, como por exemplo: "(...)fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro" (como pode um marco regulatório legislar sobre o futuro?)

A criação humana é fruto do contato com outras criações, e o desenvolvimento (não apenas tecnológico, mas social, criativo, científico), depende desta relação. No plano imaterial do conhecimento, a troca de informações e idéias muitas vezes possibilita mais o avanço da criação humana do que seu atraso. Sobre isto, Thomas Jefferson, no longíquo século XVIII, já indicava: "quem acende sua vela na minha, recebe luz sem me mergulhar na escuridão".

O problema do projeto ser engavetado é não apenas possível atraso no desenvolvimento tecnológico, mas também o desperdício de trabalho e dinheiro público investidos nesta ampla discussão, que contou com a opinião de juristas, técnicos, artistas, estudantes e ativistas da área. Um gestor público não deve agir conforme sua opinião pessoal, mas deve ter em mente o caráter público de sua função.

Agora, o pior, é a possibilidade do projeto, que já estava na Casa Civil, retornar ao Ministério para que, entre quatro paredes, seja reformulado após uma (re)consulta a técnicos do setor - vale dizer, situados à outra margem do que vem sendo discutido no país a respeito do incentivo à criação e acesso ao conhecimento.

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