sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Gil critica ''ação açodada'' do Minc

Texto reproduzido estadão.com.br

Para o ex-ministro Gilberto Gil, que se autodefiniu certa vez como "o ministro hacker", a questão da nova ordem é crucial. Não foi à toa que ele, em 1963, já tinha composto a canção Cérebro Eletrônico, na qual antevia a importância dos computadores. Num dos seus discos mais recentes, Gil também já cantava: "Banda larga mais democratizada ou então não adianta nada. Os problemas não terão solução". No início dos anos 2000, fez Pela Internet, na qual falava da nova realidade de entrar na rede, "juntar via internet um grupo de tietes de Connecticut".

Beti Niemeyer/Divulgação

Gil. “Coisas absurdas são ditas sobre as licenças”

Em 2004, decorrência de tudo isso, ele - como ministro da Cultura - foi o primeiro artista brasileiro a ceder uma obra para as licenças Creative Commons (CC). Há 14 dias, a sua sucessora no cargo, Ana de Hollanda, retirou do site do MinC as licenças CC, o que tem provocado acalorado debate na rede. Ao Estado, pela primeira vez, Gil falou sobre o caso.

Você tem acompanhado essa polêmica da retirada das licenças Creative Commons do site do MinC?

Tenho acompanhado, é claro, com interesse. São consequências naturais de mudanças de grupos, de conceitos. Espero que essa polêmica seja pautada pelo diálogo. Agora mesmo eu estava lendo o artigo do Hermano Vianna (sociólogo adepto da tese do copyleft) em O Globo, ele fala do açodamento, da pressa em se retirar esse logo do site do MinC.

O ato foi logo nos primeiros dias de governo, o que parece marcar uma ação simbólica...

Se é isso, que fique nisso e se esgote nisso. Se é para marcar uma mudança de guarda, que não fique só nisso. Porque essas iniciativas, como o Creative Commons, não continham essa ideia do particularismo. É algo que deveria se propagar por aí. Você veja que os conteúdos do governo inglês estão sob uma licença que foi criada para isso. O governo da Austrália usa as licenças Creative Commons. O que o Hermano (Vianna) fala é para que o Estado abra os olhos para a necessidade de se compreender. Não precisa necessariamente usá-la (a licença Creative Commons), mas fazer dela um marco para a criação de outras. É preciso levar em conta o caráter institucional, formalizador, a dimensão jurídica para a autonomia do autor, para dimensionar essa licença, entender seus limites. Seu caráter limitado ou ilimitado. Não pode examinar com uma visão apressada, que talvez seja o que esteja na base dessa iniciativa, (a crença) de que essa licença e todas essas licenças similares enfraquecem o direito autoral.

A primeira vez que você falou em Creative Commons foi em 2003.

E as pessoas não estão ainda devidamente informadas. O lado que defende tem sido mais cuidadoso em esclarecer a licença, a variedade dessas licenças, do que o lado que ataca, que recusa. Esse lado não tem vindo para uma dimensão esclarecedora. Ouço vários deles dizendo que o CC é um instrumento das multinacionais americanas, coisas absurdas desse tipo. A surpresa que você teve em 2003 deveria hoje se converter em um instrumento para a compreensão ampla dessa possibilidade.

O debate parece conter também uma ideia conspiracionista, de que, por ser americana, a licença é nociva. Lembra o debate sobre as guitarras elétricas.

Porque a ideia veio de um acadêmico ativista americano? Não tem sentido. O lado contrário às licenças livres, nos Estados Unidos, os interesses ligados à questão coletiva de direitos autorais se opõem ao Creative Commons da mesma forma que os daqui.

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