terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O debate econômico e seus “mortos-vivos”

Texto reproduzido do sítio www.grabois.org.br
O “pensamento” e prática do monetarismo não é um fim em si mesmo. Trata-se de uma corrente econômica com tentáculos sedimentados em todas as esferas do organismo estatal e social com uma razoável capacidade de se recompor ante alguma ameaça. Prova disto foi a uníssona, por esse pessoal, defesa da recente alta da taxa de juros. É o capital fictício gerando seus “mortos-vivos”.
Cada órgão escolhe seu “morto-vivo” de plantão. A revista Veja tem o seu há tempos: Maílson da Nóbrega.
Respondo a razão do adjetivo. São “vivos” por estarem no leme da política monetária e dos gânglios vitais da inteligência e mídia nacionais. São “mortos”, pois defendem um laissez faire que deixou de ter sentido no mesmo momento histórico em que a potencialização das relações homem-natureza (desenvolvimento da técnica e das forças produtivas e surgimento da divisão social do trabalho) não dependeria mais da “generosidade natural” (grandes vales férteis, por exemplo) em prol da cada vez maior planificação desta mesma relação.E, mesmo, da necessidade do planejamento das relações comerciais entre nações iniciada com a Inglaterra Vitoriana. São os “livre-cambistas” proscritos dentro da própria Inglaterra no século XIX, porém sob o comando da economia brasileira em pleno século XXI.
A “razão dos juros altos”

Maílson da Nóbrega em sua última coluna da revista Veja (“Por que os juros são altos”) se coloca de forma clara na defesa da linha do Banco Central. Menos sofisticado que Roberto Campos e sem a capacidade de escrita de Eugênio Gudin, o ex-ministro, de péssimas lembranças, da Fazenda vai direto ao ponto ao descrever que existem três motivos para os juros serem tão altos: 1) despesa pública de 40% do PIB, mais alta que outros “emergentes”, 2) os consumidores não antenados na taxa de juros, logo se endividando sem critério e 3) um terço do crédito, em especial do BNDES, não obedece o ritmo da SELIC.
Sob o ponto de vista moral e político daria um belo caldo de resposta e debate tais observações. Se ele mesmo no artigo coloca, acertadamente, que “nos negócios os juros representam custos” ele deveria explicar a razão de poder para o fato de continuar esta frase acrescentando que “para o BC (os juros) representam instrumento de ação”. Instrumento de ação para quem? Se o problema todo se resume, quase e exclusivamente para o crescente “endividamento público”, qual a razão para os juros serem instrumentos não somente para o “combate à inflação”, mas também – e geometricamente – para o crescimento da dívida pública. E quem ganha com o crescimento desta dívida?
Os números não mentem: em 2010, a título de pagamento dos juros da dívida interna – pagou-se o montante de R$ 195,369 bilhões, com elevação (em comparação com 2009) de 14,24%. Essa elevação tem raiz justamente na espiral da alta dos juros iniciada no final do ano passado. A título de comparação, trata-se de um valor três vezes maior que a total dos investimentos públicos previstos para este ano (R$ 63,4 bilhões). Neste caso, o ex-ministro tem razão: uma despesa pública deste montante além de estar acima de quaisquer expectativas de nossos companheiros “emergentes” sobrecarrega sobremaneira o Estado Nacional, com grande serventia ao esmagamento do setor privado nacional e, consequentemente, das taxas de investimento. O resultado, em boa teoria econômica, são surtos inflacionários decorrentes tanto da má natureza do gasto público (31% do orçamento da União segue ao sistema financeiro), quanto da baixa taxa de investimentos com relação ao PIB.
Seus interesses de classe sobrepõem-se a qualquer norma científica. Ou não será verdade que o desenvolvimento se mede em termos do chamado “produto real”. Este “produto real” é definido, em primeira e última instância, em função da intensidade do USO DOS RECURSOS e da ALOCAÇÃO INTELIGENTE dos mesmos. A política monetária, em tese, intervém no interesse destes fatores. A pretensa cientificidade de nossa política monetária se explica pela “grande inteligência” com que os juros sobrecarregam as obrigações do Estado em prol do próprio comandante do processo - a saber, o capital financeiro portador dos títulos da dívida deste mesmo Estado. Daí a este mesmo Estado organizar o dumping sobre a economia nacional via importação de quinquilharias, máquinas e equipamentos Made In China é só um pequeno passo.
A “culpa do povo” e a verdadeira causa da inflação

Nas décadas de 1950 e 1960 era muito comum, entre os monetaristas neomalthusianos, a máxima de que “não podemos investir porque somos pobres e somos pobres porque não investimos”. Era o argumento de baixo calão da teoria do “círculo vicioso da pobreza”. A transformação do Brasil, em fins da década de 1970, na oitava potencia industrial do mundo tratou de dar termo e este absurdo. Mas, o problema se desdobrou em outras “teorias”. Na falta de compostura para culpar a baixa relação investimentos sobre o PIB como a grande responsável pela inflação, a corda estourou para o lado mais fraco: o povo. Sim, para a turma do outro lado o trabalhador que compra uma geladeira nas Casas Bahia em 36 vezes é o responsável pelo monstro inflacionário em ação.
Evidente que uma economia que cresce sob a alavanca do consumo e da expansão de setores não-industriais tende a ter uma relação desequilibrada entre oferta e demanda. Mas esse fenômeno não pode ser utilizado para justificar o já referido dumping sob o nosso mercado de produtos importados para saciar esta onda de consumo. Assim como não tem cabimento técnico utilizar os juros para diminuir a capacidade de consumo da esmagadora maioria do povo em prol do consumo da ínfima minoria encerrada nos detentores de títulos da dívida pública. O equilíbrio entre uma demanda crescente e uma oferta interna que tende a depressão reside na abertura de condições para o soerguimento da taxa de investimentos. Para isso, enfrentar a conjuntura de “inflação externa” é algo primário para um país que intenta acabar com a história da pobreza absoluta.
Por outro lado, não será o alargamento da oferta do salário mínimo que garantirá o fim da pobreza extrema. A “socialização do salário mínimo” que assistimos durante os últimos anos, antes de ser algo extremamente progressista, também é sinônimo negativo de uma economia urbano-industrial que apóia seu crescimento, também, na exportação de commodities. Crescimento este cujos efeitos sobre o emprego e sobre a renda são comprovadamente limitados. O crescimento da indústria tem centralidade pela imposição de diversificação produtiva proporcionando, ao mesmo tempo, ganhos no comércio exterior e na economia doméstica, pela via de maior gradação salarial que o emprego puramente industrial demanda.
Expansão da indústria e, consequentemente, maior gradação salarial são componentes de extrema importância numa política antiinflacionária conseqüente e progressista. Em resumo, não seria nenhum exagero colocar que a causa principal da inflação, surpreendentemente, é a política de juros do BC.
A "moderna" extrema-direita brasileira

Maior volatividade do dólar, utilização da taxa de juros para “combater a inflação” e congelamento salarial. Eis algumas ideias-força encampadas sob um determinado apanágio de “modernidade” e “novo”. Maílson da Nobrega, independente de suas pretensões financeiras e intelectuais é mais uma vitrola a soar este gasto som. Ao mesmo som da abertura comercial tocou-se uma sirene indicando a necessidade de concorrência desleal entre a indústria nacional e a estrangeira como prssuposto da "modernização" de nosso diversificado parque produtivo. Ao mesmo som da “concorrência” erguem-se as vozes contra os direitos trabalhistas e sociais e um tal de "custo Brasil"; e também contra o Estado e seu aparelho. Esta mesma concorrência não se aplica ao sistema financeiro. A concorrência no mercado de crédito antes de gerar inflação, conforme Maílson da Nóbrega, coloca em questão o poder da monarquia absolutista nada-esclarecida imposta pelo sistema financeiro e conjectura maus lençóis para o Big Brother (Banco Central) e seus Little Sisters na imprensa, nas consultorias e na “academia”.
A contrapartida desta conta toda está aí para conferirmos: matança nas periferias de grandes cidades atingindo em cheio parcela de nosso futuro (juventude), incapacidade de investir e fazer frente a desastres naturais e estradas que ceifam milhares de vidas por ano. Nada disso entra no cálculo dos mortos-vivos do debate econômico nacional. O povo e suas mazelas não passam de um desvio padrão em suas planilhas econométricas sob o risco de esmerar ainda mais os “riscos inflacionários”.
Indo à história, poderemos perceber que a crise de 1929 concebeu saídas – em matéria de ciência econômica – simplesmente brilhantes sob a pena de Keynes. Um keynesianismo levado ao pé da letra deu luz tanto ao New Deal de Roosevelt, quanto ao Plano Quadrienal do Dr. Von Schacth, o mago das finanças de Hitler, na Alemanha nazista. Como pano de fundo a esta conjuntura, um fascismo fazia ecoar sua força sobre a Europa e a Ásia. Conforme nos lembrou Ignacio Rangel, sob os auspícios de um exemplar planejamento econômico, os generais nazistas deixaram-nos modelos antológicos de feitos estratégicos, antes de tropeçarem nos desastres de Stalingrado e Kursk diante do glorioso Exército Vermelho. Por mais trágicas circunstâncias e conjuntura, os nazistas deram exemplares modelos ao nível do planejamento econômico. Mesmo no Brasil uma lei trabalhista promulgada por Vargas – de clara inspiração fascista – foi primordial à nossa transformação em um grande país industrial.
A história não se repete conforme os historicistas de plantão. Apesar de similar conjuntura pendente – no Brasil e no mundo com a ocupação do pelo imperialismo do Iraque e Afeganistão – a uma radicalização de direita, tanto a farsa quanto a tragédia estão perceptíveis a olho nu sob o formato de ultraliberalismo, intolerância e propaganda antipovo. Parte de um todo que envolve a desconstrução dos mesmos mecanismos de planejamento e construção industrial capazes de tirar o Brasil da Idade Media em 1930 e o colocar na Idade Contemporânea em 1980. Maílson da Nóbrega e seus gêmeos não passam de repetições pioradas e mal-acabadas de economistas thatcheristas, reaganistas e da podridão anexa ao legado de Gorbachev, Yeltsyn, Collor e FHC.
Elias Jabbour é doutor e mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, autor de “China: infra-estruturas e crescimento econômico” e pesquisador da Fundação Maurício Grabois.

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