sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Notas acerca da liberdade de imprensa 2

Na primeira parte do texto afirmou-se que a democracia é composta por um procedimento discursivo reflexivo, ou seja, que se volta para a crítica e avaliação dos melhores meios para conseguir objetivos por intermédio de argumentos. Ora, se é assim é lícito supor que devem ser providas as condições necessárias para que seja mantido o valor eqüitativo das opiniões, de modo que pode-se afirmar que a liberdade de expressão é um direito político, ou seja, prioritário vez que se destina a manutenção e desenvolvimento do sistema.

Nestes ultimos dias vimos a “grande mídia” se debater, como decorrência de seus argumentos primários, sobre a restrição da liberdade de expressão, sempre equiparada a liberdade de imprensa, e sobre a impossibilidade do Estado legalmente e legítimamente restringir o exercício destes direitos. Por isto é que surgem os seguintes questionamentos: Existem direitos absolutos, por outras palavras, existe qualquer direito que não seja possível democráticamente restringir? É possível identificar liberdade de expressão com a liberdade de imprensa?

A democracia, como vimos, é obrigatóriamente um sistema político em que os cidadãos são livres e iguais de tal sorte que todos poderão exigir do Estado que garanta a efetivação de seus direitos. Contudo, a política é regida pela reserva do possível, assim, não sendo possível a todos exercê-la em sua integralidade, poderá o Estado sem prejuízo democrático estabelecer critérios que mantenham a igualdade entre os cidadãos garantindo a plena consecução desta liberdade nos limites que promovam o espaço razoável para que as diversas formas do pensar e do avaliar possam se manifestar e interferir no debate democrático.

Como todo orgânico, ou seja, que exige uma coerência entre suas determinações o sistema de direitos deverá obrigatóriamente estabelecer, sem prejuízo democrático, o melhor uso das liberdades que atenda ao critério de igualdade jurídica, política e econômica a todos os cidadãos em relação aos objetivos traçados pela sociedade. Observa-se que a concomitância dos direitos sem que ajam regulamentações permite que alguns, com maior acesso ao capital econômico e/ou político, exerçam sua liberdade na plenitude enquanto outros não a exercem por completo. E isto é o suficiente para demonstrar que não podem existir direitos absolutos.

A liberdade de expressão é uma liberdade política por que se destina a garantir a estrutura básica da democracia, isto significa que ela tem precedência sobre as outras liberdades por que lhes serve de fundamento último. Enquanto liberdade política terá também preferência num sistema de direitos que objetive que os cidadãos sejam iguais e, por isto, as possiveis regulamentações feitas pelo Estado deverão ser limitadas sob pena de invalidar o processo de convencimento que é o cerne da democracia. Desta feita, se houver identificação entre a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa esta deverá sofrer o menor contingente de limitações possíveis.

Contudo, tal identidade não parece existir. Imagine que Gutemberg nunca tivesse inventado a prensa. Poderia-se dizer, neste caso, não existir liberdade de expressão? Não, a liberdade de expressão identifica-se com o direito de formar a sua opinião tendo em mãos tantos argumentos quanto possíveis e de expressar de forma razoávelmente articulada sua opinião. Ora, se a imprensa não existisse poderia-se dizer que o exercicio de tal direito seria menos eficiente mas não que ele não existisse.

O argumento é simplório mas demonstra o seguinte: conquanto a liberdade de imprensa seja parte integrante do direito à expressão bem informada dos pensamentos, ela não se identifica com o núcleo central da liberdade de expressão, este se direciona para o exercício das prerrogativas políticas, ou seja, de expressar no ambiente social suas opiniões acerca dos objetivos e procedimentos sociais.

A liberdade de imprensa identifica-se com a liberdade de informação, ou seja, de fornecer evidências capazes de nortear a formulação daquelas opiniões não gozando, contudo, do direito à preferência sobre as outra liberdades políticas. Isto por que à liberdade à informação deverá ceder espaço ao requisitos que permitam formar uma opinião livre sendo, portanto, regulada a fim de garantir que mais informações possam chegar aos cidadãos independente de seu matiz ideológico. A liberdade à informação, como se vê, serve a liberdade de expressão devendo ser um instrumento para esta e não identiicada com a mesma.

Convém notar que por um outro prisma a imprensa poderá ser entendida como depositária da liberdade de indormação e da liberdade de expressão, sendo então a liberdade de imprensa a aglutinação de ambos os desígnios. Neste caso estará obrigada pela liberdade de expressão a apresentar argumentos racionais e ser leal com seus pares revelando claramente suas preferências ideológicas e estará, por seu turno, adstrita aos limites mencionados do direito à informação.

Parece-se razoável supor que enquanto a liberdade de expressão é um direito político que alimenta a democracia, a liberdade de informação é um direito instrumental, pois depende para sua utilidade da materialização do direito à expressão.

A liberdade de informação é neste sentido capital político e deve estar à serviço da manutenção da igualdade e da liberdade que se materializa na expressão do livre pensar. Trata-se, portanto, de capital a ser distribuído eqüitativamente a fim de garantir a capacidade de intereferir na formação dos consensos sociais.

Distribuir capital político é parte da tarefa de um Estado bem governado e, por isto, não é possível permitir que um direito viole os outros e nem que o maior acesso aos capitais da sociedade entravem o acesso à informação e ao direito de informar de outro e, mais grave, que em nome de um suposto direito de informar se pressione membros da sociedade a não discutir suas opiniões, por mais equivocadas que sejam.

Nota-se então que não se trata, como alguns querem, de uma manobra para escamotear denúncias trata-se ao contrário de um debate legítimo da sociedade a fim de distribuir de modo adequado seus capitais políticos que, como se sabe, são limitados. Do mesmo modo, impedir tal debate é turvar a democracia e fazê-la curvar-se a um ideal exclusivo, que em suma, não é democrático.

A democracia, por final, confia nas suas instituições e deve estar aberta para inúmeros ideais e seus argumentos racionais sendo este o cerne do direito de expressão, ressalte-se que tal concepção não se prende a conteúdos mas devolve à praça pública o direito de definí-los.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...