segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O Brasil, visto pelos Wikileaks

 Com toda esta celeuma por conta dos novos telegramas sobre o Brasil e do Wikileaks em geral achei no blog do Favre um texto interessante sobre o Brasil. É a reportagem do Sérgio Leo do Valor que reproduzo abaixo.

Texto Reproduzido do Blog do Favre

Escrito por Sergio Leo do Valor

Os historiadores, no futuro, poderão maldizer o site Wikileaks, responsável pelo vazar centenas de milhares de telegramas da diplomacia americana: depois do vazamento, comunicações entre embaixadas e Washington tenderão a ser bem mais insossas, e deverão trazer menos informações a serem descobertas pela pela posteridade. Para os especialistas de hoje e os jornalistas, historiadores do momento, o Wikileaks tem sido, porém, uma novela irresistível, movida por desconfianças reveladas, segredos descobertos, personagens surpreendentes.

Nos telegramas anunciados até agora lê-se que, no fim do governo George W. Bush, com Clifford Sobel no comando da embaixada dos EUA em Brasília, Samuel Pinheiro Guimarães era classificado como o elemento “anti-americano” da política externa brasileira, acusado de obstruir iniciativas conjuntas, na área de defesa ou de cooperação técnica em diversas áreas. A expressão simplifica terrivelmente o esforço intelectual do diplomata, mas reflete comentários de interlocutores brasileiros da embaixada americana, de antigos embaixadores brasileiros a membros do próprio governo.

A substituição de Guimarães por Antônio Patriota, até então embaixador nos EUA, foi comemorada nas mensagens a Washington, que o veem como disposto a reforçar as relações bilaterais, ainda que de maneira cautelosa e desconfiada.

Amorim é retratado como um “nacionalista”

Um “nacionalista” na “antiga tradição do Itamaraty” é como a diplomacia americana descreve o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, visto como mais dedicado aos assuntos multilaterais, como as negociações de comércio e temas das Nações Unidas. O assessor presidencial Marco Aurélio Garcia, embora alistado entre os esquerdistas do governo, como seria óbvio, é um interlocutor respeitado, até aliado em alguns momentos. Em junho de 2008, Sobel pede ajuda a Garcia contra ameaças de aliados do presidente Evo Morales à embaixada americana em La Paz, Bolívia.

Episódios de troca de impressões e intermediação brasileira com líderes bolivarianos são um núcleo constante na novela dos telegramas. Opiniões do embaixador do Brasil na Bolívia são transcritas em 2006 para apoiar a análise do embaixador americano no país. Outro texto, de dezembro de 2009, assinado pela encarregada de negócios da embaixada dos EUA em Brasília, Lisa Kubitske, relata “longo e amigável” encontro de Garcia com o subsecretário de Estado dos EUA para Hemisfério Ocidental, Arturo Valenzuela, no qual o assessor tenta convencer o americano a fazer uma visita a Caracas.

Garcia sugere criar um elo direto com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e evitar que a falta de “senso de proporção” faça com que o venezuelano entre em confrontos indesejáveis com os EUA, por atrito com funcionários de menor escalão. Num telegrama da embaixada dos EUA na Bolívia, Evo Morales é citado dizendo que, por recomendação de Lula, terá “muita paciência” com o que pensa ser ataques a seu governo.

A leitura desses comunicados exige cuidado. São interpretações nem sempre precisas, muitas delas feitas por diplomatas menos graduados, endossadas, às vezes sem atenção pelos superiores. Mas o conjunto permite uma visão clara de como os EUA interpretam as ações de política externa de aliados e inimigos.

O Brasil de Lula, por exemplo, é retratado como potencial aliado, e até exemplo de governo esquerdista modelo para o continente – especialmente em contraponto ao “bolivarianismo” de Hugo Chávez, que os diplomatas americanos veem como adversário inquestionável. Entre Brasil e EUA são inúmeros os relatos de esforços para encontrar, em meio a sérias divergências, pontos em comum onde firmar algum tipo de colaboração.

Os autores dos telegramas creem que o governo brasileiro não é hostil aos EUA, mas é profundamente desconfiado das intenções do governo americano, com quem alimentaria uma disputa por influência na América do Sul. O receio, no Brasil, do interesse americano na Amazônia ou nos recursos marinhos da costa brasileira é classificado de “absurdo”, mas relatado como “paranoia” de vários setores na sociedade, não só do governo.

Um ponto realmente de sério conflito é a questão do Irã, tema frequente nos telegramas a embaixadas e Washington. E o conteúdo de diversos desses comunicados em outros países, entre eles os informes sobre o temor dos governantes árabes em relação aos iranianos, reforça a análise dos telegramas de Brasília sobre a ação do governo Lula, que, na avaliação dos diplomatas, oscila entre o ingênuo e o mal informado. Quando Lula defende a ação do Brasil no Oriente Médio como argumento de que “todos querem a paz”, a leitura dos telegramas do Wikileaks torna difícil discordar dos americanos em certas críticas à ação da diplomacia brasileira no Oriente Médio.

Já a revelação de que a diplomacia americana, desde o início, viu como golpe indefensável a deposição do Manuel Zelaya em Honduras, como sempre argumentou o governo brasileiro, deixa mal analistas apressados que, no Brasil, correram para defender os golpistas. É uma novela instrutiva, essa, dos telegramas vazados pelo Wikileaks.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...