quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Quem somos nós? – A era da técnica

“…viu suas luzes serem cada vez mais obscurecidas pela apropriação do homem e do mundo pela técnica.” Parece inicialmente que há um erro nesta frase, uma clara inversão, afinal como poderia atécnica se apropriar do homem? Contudo, devo deixar claro que não houve erro de digitação e, portanto, devo me fazer entender.

Por esta razão hoje buscarei falar da natureza da técnica e sobre como ela nos definiu e continuará definindo. Este assunto é, de algum modo, preparatório para o entendimento mais pragmático da construção do ser-social em gênero e do ser-social brasileiro específico. De toda sorte, não poderei oferecer mais do que alguns apontamentos que espero sirvam para clarear o futuro de nossa construção de identidade.

A técnica por sua natureza difere do pensar, mesmo entre os gregos a palavra techné indica um fazer. Ora, a técnica entre os gregos, contudo, possui uma natureza diferente da que possui entre nós, isto por que entre eles não existe técnica sem pensar. Naquele caso é o próprio homem que fornece enquanto causa eficiente a forma e o significado ao material realizando a articulação que dá vida final ao objeto da técnica, por outras palavras, a vida do homem que faz está diretamente articulada a do que é feito.

No nosso caso não parece que há esta articulação, ou talvez, só exista no modo reverso em que aquilo que é feito é o que articula a vida dos homens. Por exemplo não será comum dizer que a vida da hidrelétrica está diretamente associada a vida daqueles homens mas será usual escutar que programas como o luz para todos articularam a vida dos “homens” de tal modo que os tornou efetivamente homens.

Este primeiro problema sobre a natureza da técnica demonstra como não somos mais nós que a possuímos mas sim ela que nos possui, diga-se, nós dependemos dela para que possamos atingir algum tipo de relacionamento em que se reconheça nossa característica identitária. Isto a tal ponto que já existe uma identidade global que se convencionou chamar de direitos humanos. Estes representam a existencia de condições técnicas, de diversos campos, para o exercício de nossa condição de seres humanos.

Assim, os direitos liberais, de primeira geração, representam o reconhecimento da técnica da democracia formal, das leis e da previsibilidade; os direitos sociais, de segunda geração, representam as condições de acesso aos bens garantidores da manutenção e da reprodução da vida e do conhecimento que convenciona que uma vida pode ser num contexto mais geral entendida como tal; os direitos transindividuais, de terceira geração, são aqueles voltados a manutenção da cultura e da informação; por fim os direitos do meio ambiente, de quarta geração, visam às técnicas de manutenção do espaço em que nós vivemos.

Como se pode ver, os sistemas de direitos humanos são construções de momentos históricos em que garante que cada ser humano deverá ser também usuário de um algum tipo de técnica que lhe é garantido por sua própria condição de ser humano. Estes são os pressupostos mais básicos para o exercício da democrácia em gênero e o modo como se concretizam na realidade espacial são seus conteúdos específicos.

O progresso técnológico cria uma realidade em que as causas são incausadas, ou seja, as técnicas se apropriam do mundo e não o mundo delas seu uso é determinado pela sua própria reprodução e reprodução de sua corrente de desenvolvimento. Assim, dialeticamente, elas servem tanto ao reconhecimento da condição de homem, quanto a condição de homem só se dá no seu uso e reprodução. Assim sendo, ao criar o homem ela o faz se perder novamente em si mesmo por que a partir de seu reconhecimento no consumo não é mais necessário voltar-se ao pensar, não há mesmo tempo para voltar.

É preciso, portanto, para criar uma sociedade democrática forjar mais que consumidores e produtores. Será necessário forjar um espaço público e, para tanto, indispensável entender a construção deste espaço como produto da técnica. Ora, a complexificação de nossa sociedade e os avanços técnológicos só foram possíveis pelos critérios de objetividade, eficiência, previsibilidade fornecidos pela técnica. De tal sorte que esta deverá ser util a regulação dos espaços públicos e sua efetiva garantia de constante abertura, bem como, para levar as condições de vida material necessária não poderá, entretanto, substituir de modo algum o pensamento do homem antes devendo se orientar para que este possa se desenvolver.

O papel de todo ativismo político, portanto, é garantir que não haja espaço para que ninguém se esconda atrás da técnica e da eficiência enquanto argumento de autoridade em favor do pensamento único. O papel do governo Dilma, por sua vez, é garantir a continuidade do incremento das condições de vida das pesssoas assegurando que o foco não se prenda somente ao consumo mas também às reformas das instituições a fim de construir um uma democracia de alta intensidade.

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