sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A Constituição de um povo

Enquanto nas sociedades tradicionais, como a descrita por Hobbes, o poder derivava do monarca e tinha como objetivo a garantia da integridade, da vida, as sociedades pós-tradicionais orientam-se pelos critérios de validade das normas e a soberania depende do povo. Nestes, conforme Kelsen, existe uma estrutura piramidal em que a Constituição, norma maior, emana legitimidade e validade, no sentido de força obrigatória para todo o sistema de obrigações vigentes em uma sociedade.

O surgimento deste paradigma, que afasta-se do sagrado, faz surgir um tensionamento entre o poder e a lei. A violação do sagrado, por óbvio, faz surgir também a necessidade de uma nova forma de interpretar a soberania. Segundo esta a soberania emana do povo. A tensão se revela entre povo e autoridade.

A tensão entre povo e autoridade deve ser necessariamente remetida ao problema da Constituição. Digo, na Constituição, por seu caráter político, realiza-se em primeiro grau a tensão entre autoridade da lei, garantidora de direitos, e autoridade do governo. Com efeito, Lassalle afirma que a Constituição são os fatores reais de poder opondo, portanto, uma Constituição real a uma jurídica.

Por ser representada, na sua essência, pelos fatores de poder a Constituição não consistiria, num sentido estrito, numa norma mas sim numa conformação fática com a realidade política. Assim sendo, deveria sucumbir quando tal conformação não mais ocorresse. Ora, neste contexto a Constituição jurídica seria uma folha de papel, sem serventia real.

Contudo, se iniciarmos uma leitura que valorize o sentido das palavras, perceberemos que constituir significa formar a parte essencial. Se a Constituição deve constituir algo, isto significa que não podemos olhá-la simplesmente de um ponto de vista material, ou seja, daquilo que ela é como fez Lassalle.

Neste sentido, embora reconheça as limitações impostas por Lassalle, Hesse percebe que a Carta Maior não só orientada historicamente, pelos fatores reais, como também orienta estes fatores a fim de construir o futuro. Assim, sendo fruto da luta política ela não está fadada a ser derrotada a cada vez que a correlação de forças muda posto que inaugura uma realidade.

Sua pretensão de validade, portanto, não confunde-se com sua própria validade e efetividade mas ela logra ser mais efetiva como produto da luta encarniçada para que sua vontade seja sempre atualizada. Depende, então, da vontade dos homens perceber o valor da proteção aos direitos e das tarefas que ela impõe.

Seu sentido é, portanto, nos direcionar para algo assim que possamos chamar de nação pela comunhão e consecução de objetivos e valores incorporados por um grupo de pessoas por meio de um momento histórico de ruptura. A constituição encarna aquilo que é o cerne na conformação de um amontoado de pessoas em povo: o desejo e a esperança de conseguir algo assim como a liberdade.

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