Texto reproduzido do sítio www.esquerda.net
Na era da Internet, não deveremos perder de vista a tensão entre identidade e diversidade lusófonas até porque a lusofonia é “uma construção extraordinariamente difícil”. Por Lurdes Macedo, artigo publicado em buala.org
Artigo | 8 Janeiro, 2011 - 16:44
Obra de António Ole
A lusofonia, enquanto comunidade imaginada, configura uma ideia que pode ser abordada sob vários pontos vista. Tratando-se de um projecto com um passado de cinco séculos - assente no denominador comum que a língua portuguesa constitui - a lusofonia é, simultaneamente, um projecto disperso por vários espaços em todos os continentes do globo, nos quais habitam cidadãos de diversas etnias e com diferentes culturas. Interessa, por isso, fazer uma reflexão que nos permita compreender a complexa construção da lusofonia na contemporaneidade, para podermos perspectivá-la no futuro.
Em primeiro lugar, deveremos ter em conta que o passado recente foi marcado pela História de um espaço lusófono pós-colonial, estilhaçado e reconfigurado num conjunto de nações independentes e geograficamente distantes entre si. Talvez por isso mesmo, a relação entre os países de língua portuguesa se encontre, ainda hoje, sujeita a um conjunto de contradições e de dilemas que vão adiando a desejada aproximação capaz de formar e de consolidar a consciência colectiva de uma comunidade lusófona.
Ao mesmo tempo, a lusofonia tem sido, tradicionalmente, entendida à luz de um conjunto de dimensões que se afiguram cada vez mais redutoras: a dimensão geográfica, que reúne os oito países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP); a dimensão política, que se confina ao conjunto das comunidades de língua portuguesa espalhadas pelo mundo; e, finalmente, a dimensão histórico-cultural relacionada com o legado português em vários pontos do globo durante a expansão marítima e o império colonial. Como não perceber em cada uma destas dimensões, e citando Moisés de Lemos Martins1, “um espaço de refúgio imaginário” e de “nostalgia imperial”?
É deste modo que a lusofonia se arrisca a cair num equívoco conceptual que devemos evitar: constituir-se como uma maneira cómoda de designar os países resultantes da colonização portuguesa.
Em segundo lugar, as políticas da língua levadas a cabo nos países lusófonos - que nos apresentam a proposta de um novo acordo ortográfico, com o propósito bem intencionado de preservar o principal factor identitário desta comunidade imaginada - têm sido acolhidas e integradas de forma diversa, representando hoje uma das mais acaloradas discussões no espaço da lusofonia. Aliás, há quem considere que este acordo representa uma ameaça às variantes do português oral e escrito utilizado em cada um dos países lusófonos, estando estas simbolicamente associadas à afirmação da diversidade e à preservação das identidades locais.
Todavia, a globalização e o novo paradigma comunicacional baseado na convergência e na ampla utilização de infotecnologias – a sociedade em rede – tem vindo a convocar um novo lugar para a lusofonia, no qual se estabelecem redes virtuais de comunicação entre cidadãos que pensam, sentem e falam em português: o ciberespaço.
Conforme nos recorda Frank Webster2, todos assistimos, nos últimos anos, à acentuada redução dos preços do material electrónico e informático, ao mesmo tempo que nos íamos rendendo às suas indiscutíveis capacidades de processamento, armazenamento e transmissão de informação. Paralelamente, a convergência de redes informáticas e de telecomunicações permitiu o desenvolvimento de meios de gestão da informação e a sua distribuição extensiva, bem como a possibilidade de estabelecer ligação, em tempo real, entre espaços físicos longínquos.
Se relacionarmos esta nova realidade comunicacional com o poderoso factor identitário que uma língua em comum pode constituir, estaremos em condições de reflectir sobre o contributo do ciberespaço para a aproximação entre cidadãos falantes de um mesmo idioma. E se pensarmos numa língua falada por muitos milhões de cidadãos, dispersos por todos os cantos do mundo, pertencentes às mais diversas etnias e culturas, esta reflexão afigura-se ainda mais pertinente. Trata-se do caso da língua portuguesa.
Em poucos anos, milhares de sites, de blogues e de fóruns em português inundaram a internet, tendo-se tornado a língua de Camões uma das mais influentes na World Wide Web. Segundo a Internet World Stats, em Junho de 2010, este dispositivo era utilizado por 1 966 514 816 de pessoas em todo o mundo. Os utilizadores lusófonos eram, aproximadamente, 82 548 200, representando a quinta comunidade linguística com maior representatividade no ciberespaço, como é possível verificar no gráfico que a seguir se apresenta. Estamos, assim, em condições de propor de uma dimensão virtual da lusofonia.
Representatividade das dez línguas com maior presença na Internet, em milhões de utilizadores (Junho de 2010)3
No entendimento de Pierre Lévy4, a propagação do ciberespaço à escala planetária criou um terreno propício para o desenvolvimento de uma inteligência colectiva, capaz de englobar a diversidade, e um território configurador do espaço público necessário à intervenção de uma sociedade civil com consciência global.
Admitindo esta visão optimista sobre o potencial contido na sociedade em rede, poderemos perspectivar uma dimensão virtual da lusofonia que englobe e preserve a diversidade de práticas culturais presentes nos lugares onde se fala o português, garantindo a tolerância e o respeito pelas diferenças? Que contributo poderá oferecer o ciberespaço à consolidação da consciência colectiva de uma comunidade lusófona?
De momento, não é possível responder a estas questões, uma vez que é ainda claramente insuficiente o número de estudos dedicados aos efeitos produzidos pela sociedade em rede no espaço lusófono. Todavia, é com satisfação que verifico que, em várias universidades portuguesas e brasileiras, investigadores da mais reputada qualificação e das mais diversas áreas científicas (Língua Portuguesa, Ciências da Comunicação, Estudos Culturais, etc.) se têm vindo a dedicar ao estudo destas questões.
Na era da Internet, não deveremos perder de vista a tensão entre identidade e diversidade lusófonas até porque, e convocando o pensamento de Helena Sousa5, a lusofonia é «uma construção extraordinariamente difícil». Aliás, a retórica tradicional da lusofonia tem persistido, não raras vezes, numa espécie de nostalgia do império, subvalorizando a diversidade cultural que cinco séculos de aventuras associaram à experiência de todos os cidadãos que pensam, sentem e falam em língua portuguesa.
Será, por isso, importante - e talvez também urgente – que todo um conjunto de políticos, intelectuais e académicos, que têm trazido à luz numerosas pistas sobre a complexa construção da identidade lusófona, reflicta sobre o contributo que o ciberespaço oferece à reconfiguração de uma lusofonia mais englobante e mais plural.
Artigo de Lurdes Macedo6 publicado em buala.org e originalmente na revista PESSOA
1 Professor Catedrático de Ciências da Comunicação na Universidade do Minho (Portugal).
2 Director do Departamento de Sociologia na City University London (Inglaterra).
3 Fonte: Internet World Stats (www.internetworldstats.com/stats7.htm).
4 Professor de Sociologia da Comunicação na Universidade de Otava (Canadá).
5 Professora de Ciências da Comunicação na Universidade do Minho (Portugal).
6 Doutoranda em Ciências da Comunicação na Universidade do Minho (Portugal), na Universidade do Texas (EUA) e na Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo (Brasil). Investigadora no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho (Portugal). Professora na Universidade Lusófona do Porto e na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viseu (Portugal).
A lusofonia pode se relacionar com a globalização, já que demonstra a diversidade e a mistura de visões no espaço´. Confunde-se então a autenticidade e o senso comum.
ResponderExcluirMuito interessante o artigo!
http://pontapedepartida.blogspot.com/