A referência à música de Chico Buarque, embora fora de contexto, tem três vantagens em relação a este artigo. A primeira é tematizar o interstício que sofreu este blog, a segunda é tematizar diretamente o pensamento e a terceira é colocar em evidência a noção de temporalidade. As três vantagens se movem e articulam no objetivo deste artigo qual seja evidenciar que tudo que até então foi dito neste espaço move-se na direção do pensar do sentido.
Pensar o sentido quer dizer pensar a estruturação do real e sua constituição, ou seja, pensar o ser do real. Tal pensamento já foi tematizado aqui por meio da questão da verdade e do modo como estruturamos àquilo que se convencionou, pela tradição da filosofia, chamar de representação, ou seja, a teoria do juízo. Contudo, falar de conceitos filosóficos com afinco não significa de maneira alguma colocar em evidência, num sentido forte, o pensar.
E por que importa colocar o pensar em evidência? Simplesmente por que, num sentido próprio, não pensamos ainda. A palavra do poeta revela um duplo pensar, ou seja, o acolhimento do que está presente como memória e também a percepção orientada pelo juízo. Assim, dizer que ainda não pensamos significa dizer que desvia-se de nós a estruturação essencial do real enquanto aproxima-se tudo que é, ou seja, se protrai no tempo.
Tal aproximação é presença enquanto a estruturação do real é desvio e retraimento, ou seja, esquecimento. Ora, aquilo que se esquece é o que não é digno da memória e, de um modo estranho, sempre lhe foi seu alvo. A memória não é neste sentido somente o reter de informações mas também, e mais propriamente, um espaço do pensar onde se concentra tudo que é passível de ser pensado, é, em suma, acolhimento.
Acolhimento e presença são frutos da percepção que é o fundamento da re-apresentação. Enquanto o primeiro significa cuidado o segundo significa trazer para junto de si, ou seja, destacar. Eis aí onde se confirma a indigência de nosso pensar, qual seja, mover-se por uma percepção da qual ele não pode traçar qualquer genealogia e, ainda assim, está fixado pelo modo histórico. Então, o que é isto que no ocidente nos fez fixar no juízo? O que significa num sentido adequado representar? E qual sua proveniência?
Vivemos num tempo de ação e, ainda assim, é inegável o interesse pela filosofia, mas nos interessamos verdadeiramente pelo pensar? Seremos nós capazes de levar a sério, acolher, o pensamento estruturante e dar-lhe dignidade? A palavra do poeta nos diz que sim, pois afirma uma vinda atual num tempo passado e, de algum modo, põe em jogo a chegada de algo, um encontro com o próprio pensar reafirmado na oração seguinte.
A senha para que possamos responder pelo menos a uma destas perguntas, qual seja, o que significa representar está exatamente no dizer da percepção, ou seja, do acolher e tornar presença. Isto por que a pré-sença é o nosso modo próprio de ser, por outras palavras, a percepção é o processo de trazer de volta para nós tudo que existe materializado em sua temporalidade. Desta feita representar é apresentar. Mas apresentar o que? Tudo o que é e vigora, ou seja, num sentido originário é abrir e liberar para a relação conosco tudo que vige e dura.
Ao perceber isto podemos também concluir que não é uma exclusividade do lógos, entendido como teoria do juízo este acesso mas sim que houve uma priorização histórica da qual já falamos anteriormente. De tal sorte que o juízo é uma representação da representação do objeto, por outras palavras, não se identifica o juizo e sua estrutura com a estrutura do real mas simplesmente com a estrutura prioritária de nossa representação. Com o que confirmamos que já, de algum modo, pensamos mas não de modo próprio. Isto por que fomos alvo do esquecimento e enquanto não nos dedicarmos à observar o livro da vida cuidadosamente nos manteremos sempre fora do elemento essencial do pensar, qual seja, o problema da estruturação do real e da prioridade da mimesis, representação, sobre as outras possíveis formas de estruturar o real.
Nenhum comentário:
Postar um comentário