quarta-feira, 20 de abril de 2011

Sobre quem é Alieksandr Pietrovich

Dei a ler, novamente, “A recordação da Casa dos Mortos” de Dostoiévski e percebi como se apresenta em seu modo de escrever um critério de historicidade que nos impõe alguns problemas a pensar. Mas comecemos pelo início. O Objetivo deste artigo não é tratar do que está escrito na estória do romance mas sim do personagem que lhe narra. Seja permitida uma digressão mantenho a distinção história/estória simplesmente para ressaltar a diferença entre o caráter histórico factual, historiográfico, do caráter histórico psicológico, filosófico/sociológico.

Quem ler o livro, em seu contexto biográfico, há de saber que os fatos que ali se narram, embora romanceados, fizeram de alguma forma, inexata para nós, parte da vida real do autor. Por outro lado perceberá diversas anotações que cumprem um papel historiográfico acerca da Rússia em sua época. Por outro lado há de saber, do ponto de vista artistico, que este livro marca, por assim dizer, o rompimento com a tradição fantástica das memórias do subsolo e dos textos anteriores em busca de níveis mais profundos da consciência humana.

A referência a casa dos mortos, presídio, por seu turno tem dois aspectos um é a marca existencialista da vida focada na liberdade e o segundo é o espanto em face da vida imperceptível qualificada pelo tipo-ideal do preso. Assim, a casa dos mortos tem seu peso na palavra mortos e o questionamento inicial deve ser acerca de quem são aqueles que vivos estão mortos e o por quê? O diálogo que o livro trava num nível psicológico/histórico é então sobre a possibilidade da emancipação humana e quais suas condições. É de fato uma crítica ao estado de coisas da Rússia daquela época bem como ao estado de indigência psicológica de toda Europa numa época em que o vazio existencial, por conta da crítica da religião, deixou para ser criado um novo mundo de vivos. Por fim, o presídio pode muito bem servir de metáfora a toda condição humana existente até então como fica demonstrado em algumas passagens do texto.

Ora, o que se disse até então encontra-se na esfera da contextualização do texto mas não diz nada sobre o personagem que é objeto do artigo. Tal personagem, narrador, encontra-se primariamente dentro do contexto indicado por sua ambivalência, qual seja, ser personagem e narrador. Assim, a narrativa histórica é contada pelos olhos de um nobre que foi retirado de sua vida e levado a uma morte, ou seja, o elemento do trágico a necessidade do assassinato de sua esposa para que ele pudesse vir a enxergar o mundo em sua plenitude contém a narrativa histórica nos estritos limites pessoais que lhes são possíveis por conta de sua condição de vida.

O elemento trágico é um recurso filosófico de alta potência por que põe, em sentido forte, a evidência da reunificação e, por isto, de toda ambivalência que não é só do personagem mas também da realidade, qual seja, a diferença imperceptível pelo discurso do juízo entre pensar e ser. Ajuizar é, de todo modo, identificar o pensar e o ser com o que a ambivalência de ser narrador e personagem se explica, por outras palavras, Alieksandr é aquele que pensa e é.

De nossa parte guardamos nossa posição desconfiada face a suas especulações psicológicas pois não são senão fruto ou da reatividade do nobre recém acordado ou daquele que assumiu para si a condição de morto. No primeiro caso está marcada a incompreensão da estruturação do real daquela nova realidade no segundo seu retraimento ante a cotidianidade de sua existência. Como se vê o personagem principal do texto é também o personagem principal da crítica aos limites da razão e sua tridimensionalidade.

Todo pensamento move-se no caminho do sentido do mesmo modo como Pietrovich move-se no caminho da compreensão da estruturação do real na prisão. De todo modo quem poderia nos assegurar que toda sua percepção não é fruto de suas próprias ilusões, projeções, acerca do real. A vivacidade dos mortos do presídio está em sua própria tipicidade genérica de toda estruturação do real de uma determinada época, de modo que a condição de Alieksandr é a afirmação literarária do problema da liberdade como projeção e a crítica velada ao juízo como forma prioritária de tomar conhecimento do real.

Por fim, a marca do livro é remeter-se, ainda, aos problemas primeiros sobre a liberdade que se constituem já na própria estruturação do real como o que é feito em seus primeiros escritos sem a sutileza e o uso de recursos literários que põem em jogo este salto, necessário, do homem de ciência para a (con)ciência do homem. Tais problemas são certamente o germe de um existencialismo a ser reproduzido por toda Europa e por todo nosso tempo com vista a um niilismo ativo que seja capaz de produzir sentido para o nosso existir. De tal sorte que Alieksandr Pietrovich é o homem do nosso tempo, ou seja, aquele que se encontra na condição de pensar e ser sem, contudo, ter atingido, ainda, a condição de aproximar-se da dobra que estrutura o real.

Um comentário:

  1. Excelente artigo, parabéns! Aliáis,
    Excelente blog, estárei acompanhado.

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